Discou
o próprio número. Uma, duas vezes. “Será que não estou?”
Ansioso. Duas ligações erradas. Nervoso. Ali, no escritório, era
difícil conseguir linha. Mais difícil, mantê-la. Errava, colocava
o fone no gancho, levantava, tinha ligação para alguém. Mas ele
dizia que não era dali, do banco, era da loja de eletrodomésticos,
a pessoa desligava, ele apanhava a linha, discava seu próprio
número. Ocupado. Quatro, cinco vezes ocupado. “O que estarei
fazendo?” “E eu sabia que não estava fazendo nada, apenas
tentando telefonar para mim mesmo. Consegui.”
– Alô,
quem fala?
– Você
mesmo.
– Eu
estou?
– Não.
– Saí?
– Não.
– Então?
– Morreu.
Devia
ser brincadeira de mau gosto. Não era ele mesmo atendendo ao seu
próprio telefonema. Alguém em seu lugar, dando trote. Ele jamais
faria uma brincadeira dessas com os outros, imagine consigo mesmo.
Desligou. Ficou à espera. Devo ter ligado errado e o sujeito quis me
gozar. Enquanto esperava, olhou pela janela, homens faziam buracos
enormes, enterravam tudo que passava: ônibus, caminhões,
bicicletas, motos, basculantes. Devia ser algum comando antiauto. Não
sabia da existência de nenhum, mas numa cidade como esta,
diariamente surgem coisas novas, coisas velhas desaparecem, sejam
prédios, autos ou pessoas. O telefone tocou.
– Você
ligou para cá?
– Liguei.
Disseram que eu não estava.
– Você
não está mesmo.
– Como
estou atendendo?
– Eu
é que estou curioso de saber como você está ligando.
– É
fácil! Basta discar meu próprio número.
– Não,
não é fácil assim. Já tentei muito ligar para você. Nunca
consegui.
– Agora
conseguiu.
– Não
sei como. Desculpe! Está um barulho infernal aqui embaixo do meu
prédio, não consigo ouvir direito o que você diz.
– O
que está acontecendo aí?
– Estão
enterrando os prédios, as casas, tudo. Um comando anti-habitacional,
me parece.
– Por
quê? Não temos mais o direito de morar?
– Acredito
que não. Mas não posso garantir nada, que estou muito confuso.
– Estamos
todos confusos nesta cidade. Agora há pouco ouvi eu mesmo dizer que
morri.
– Eu
é quem disse.
– Você?
– Sim,
mas você sabe que eu sou você?
– Sei,
fui eu que te chamei. Precisava falar comigo mesmo.
– Você
tem pensado muito consigo mesmo. Comigo.
– Não
morri, não é mesmo?
– Vou
te contar uma coisa.
– O
quê?
– Não
diz pra ninguém?
– E
se eu disser? E daí? Diz.
– Não
vai se assustar? Promete ficar calmo?
– Prometido.
– Sabe,
não foi você quem morreu.
– Quem
foi então?
– Fui
eu.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras proibidas
Nenhum comentário:
Postar um comentário