segunda-feira, 15 de abril de 2019

O homem que queria informações

Saiu à rua, estranhou bastante. Para dizer a verdade, ficou completamente confuso. Existia uma palavra, aparvalhado, que seu pai costumava usar, diante de situações absurdas. E aquela, certamente, era uma delas. “Estou aparvalhado”, disse consigo mesmo. Não disse, pensou. Isso de falar com a gente mesmo não existe, é uma frase de retórica. Seria retórica?
Estava indeciso. Não sabia se voltava para dentro de casa, se continuava a andar em direção ao ponto de ônibus, se ficava parado na calçada. E se perguntasse a alguém o que se passava? Sempre ouvira dizer que quando se pergunta se obtém, de volta, uma resposta. A resposta deve ser, por obrigação, uma definição exata e concreta, ou então pode gerar uma outra pergunta. As melhores respostas são aquelas que atingem o objetivo de imediato, calando o interlocutor. Tornando-o inofensivo.
Parou um homem:
O senhor pode me dizer o que está acontecendo?
O senhor me conhece?
Não.
Então, como faz uma pergunta a alguém que não conhece?
Só quero uma informação.
Pensou que, se não te conheço, posso dar a informação errada?
Pronto, tinha perguntado errado. A boa pergunta traz uma boa resposta, não uma nova pergunta. Como sair desta? Ficou mais confuso. “Este é um dia em que eu não devia ter saído de casa.”
Por que o senhor não se apresenta?
Me apresentar?
Se apresente a mim. Ficamos nos conhecendo, trocamos nossos cartões de visita, marcamos um novo encontro. Iniciamos uma amizade. E aí então o senhor pode me perguntar que responderei. Combinado?
Está bem. Sou Paulo Neves, bancário, 27 anos, signo de Gêmeos, solteiro, sem telefone, moro com meus pais, trabalho há dez anos na mesma empresa, optei pelo Fundo de Garantia, vejo televisão, compro Avon quando a campainha soa.
Passar bem, meu senhor. Não quero saber de mais nada.
Tentou segurar o braço do outro, o homem deu um puxão, como se um leproso (ou seria canceroso?) tivesse tocado nele. Era um homem cheio de preconceitos quanto a doenças. Tomava, todas as manhãs e todas as noites, uma colher de antibióticos. Para se imunizar.
E agora? O que vou fazer? Como saber?”, pensava consigo mesmo o outro homem, aquele que tinha saído de casa e ficado confuso. Pensar consigo mesmo. Outra bobagem. Como pensar com os outros, a não ser em telepatia? Ele era assim, raciocinava sobre cada coisa que dizia, fazia, pensava. A todo instante estava se autoanalisando, refletindo, meditando, para se colocar no mundo. Tinham lhe ensinado a fazer isto. E no entanto vivia cada dia mais confuso.
Súbito ficou com raiva. Pulou na frente de outro passante.
O senhor aí. Vai responder a uma pergunta minha? E já!
O que há, meu amigo?
Vai responder sem que eu me apresente. Sem que eu repita a você que sou Paulo Neves, bancário, 27 anos, signo de Gêmeos, solteiro, sem telefone, moro com meus pais, trabalho há dez anos na mesma empresa, optei pelo Fundo de Garantia, vejo televisão, compro Avon quando a campainha soa.
Está bem, respondo.
Responde?
Claro.
Me diz. Tudo me parece estranho hoje. Está acontecendo alguma coisa?
Não, está tudo normal.
Mas ele sabia que não estava. Afinal, as pessoas estavam andando sobre os pés e não sobre as mãos. Todos tinham dois braços e dois olhos. E a boca, coisa surpreendente, estava bem abaixo do nariz. A cabeça era disposta sobre um rolo de carne circular, completamente desproporcional ao resto do corpo. Havia mulheres e homens, calçadas e casas, carros e carroças, coisas que já tinham desaparecido. Mas não é possível que ele estivesse louco. Decidiu. Arrancou a cabeça. Jogou no meio da rua.
Ignácio de Loyola Brandão, in Cadeiras proibidas

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