Às
vezes a graça a pegava em pleno escritório. Então ela ia ao
banheiro para ficar sozinha. De pé e sorrindo até passar (parece-me
que esse Deus era muito misericordioso com ela: dava-lhe o que lhe
tirava). Em pé pensando em nada, os olhos moles.
Nem
Glória era uma amiga: só colega. Glória roliça, branca e morna.
Tinha um cheiro esquisito. Porque não se lavava muito, com certeza.
Oxigenava os pêlos das pernas cabeludas e das axilas que ela não
raspava. Olímpico: será que ela é loura embaixo também?
Em
relação a Macabéa, Glória tinha um vago senso de maternidade.
Quando Macabéa lhe parecia murcha demais, dizia:
– E
esse ar é por causa de?
Macabéa,
que nunca se irritava com ninguém, arrepiava-se com o hábito que
Glória tinha de deixar a frase inacabada. Glória usava uma forte
água-de-colônia de sândalo e Macabéa, que tinha estômago
delicado, quase vomitava ao sentir o cheiro. Nada dizia porque Glória
era agora a sua conexão com o mundo. Este mundo fora composto pela
tia, Glória, o Seu Raimundo e Olímpico — e de muito longe as
moças com as quais repartia o quarto. Em compensação se conectava
com o retrato de Greta Garbo quando moça. Para minha surpresa, pois
eu não imaginava Macabéa capaz de sentir o que diz um rosto como
esse. Greta Garbo, pensava ela sem se explicar, essa mulher deve ser
a mulher mais importante do mundo. Mas o que ela queria mesmo ser não
era a altiva Greta Garbo cuja trágica sensualidade estava em
pedestal solitário. O que ela queria, como eu já disse era parecer
com Marylin. Um dia, em raro momento de confissão, disse a Glória
quem ela gostaria de ser. E Glória caiu na gargalhada:
– Logo
ela, Maca? Vê se te manca!
Glória
era toda contente consigo mesma: dava-se grande valor. Sabia que o
sestro molengole de mulata, uma pintinha marcada junto da boca, só
para dar uma gostosura, e um buço forte que ela oxigenava. Sua boca
era loura. Parecia até um bigode. Era uma safadinha esperta mas
tinha força de coração. Penalizava-se com Macabéa mas ela que se
arranjasse, quem mandava ser tola? E Glória pensava: não tenho nada
a ver com ela.
Ninguém
pode entrar no coração de ninguém. Macabéa até que falava com
Glória — mas nunca de peito aberto.
Glória
tinha um traseiro alegre e fumava cigarro mentolado para manter um
hálito bom nos seus beijos internináveis com Olímpico. Ela era
muito satisfatona: tinha tudo o que seu pouco anseio lhe dava. E
havia nela um desafio que se resumia em “ninguém manda em mim”.
Mas lá um dia pôs-se a olhar e a olhar e a olhar Macabéa. De
repente não agüentou e com um sotaque levemente português disse:
– Oh
mulher, não tens cara?
– Tenho
sim. É porque sou achatada de nariz, sou alagoana.
– Diga-me
uma coisa: você pensa no teu futuro?
A
pergunta ficou por isso mesmo, pois a outra não soube responder.
Clarice
Lispector, in A hora da estrela
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