sábado, 16 de março de 2019

Os benefícios da insônia

Ainda que o êxtase nos purgue do individual e do contingente, poupando apenas a luz e as trevas, as noites de insônia destroem a multiplicidade e a diversidade do mundo para nos deixar às nossas obsessões. Como é estranho o encantamento nestas melodias que brotam de nós mesmos durante as noites em claro! O ritmo e a evolução sinuosa de um canto interior emparam-se de nós, num feitiço que não pode se juntar ao êxtase, pois entra muito remorso em sua inundação melancólica. Remorso de quê? Difícil dizer, pois as insônias são complicadas demais para que se dê conta daquilo que se perdeu. Isto vem talvez do fato de que a perda seja infinita... Durante as vigílias, a presença de um pensamento ou de um sentimento impõe-se de maneira exclusiva. Tudo se cumpre num registro melódico. O ser amado imaterializa-se - é sonho ou realidade? O que esta conversão melódica empresta à realidade suscita na alma uma perturbação que - não intensa o bastante para conduzir a uma ansiedade universal - mantém a impressão da música. A própria morte, sem deixar de ser hedionda, surge nesta imensidade noturna, cuja transparência evanescente, ainda que ilusória, não é menos musical. Enquanto isto, a tristeza desta noite universal evoca em todos os pontos a tristeza da música oriental, em que o mistério da morte predomina em detrimento ao do amor.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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