segunda-feira, 18 de março de 2019

O homem que entrou no cano

Abriu a torneira e entrou pelo cano. A princípio incomodava-o a estreiteza do tubo. Depois se acostumou. E, com a água, foi seguindo. Andou quilômetros. Aqui e ali ouvia barulhos familiares. Vez ou outra, um desvio, era uma secção que terminava em torneira.
Vários dias foi rodando, até que tudo se tornou monótono. O cano por dentro não era interessante.
No primeiro desvio, entrou. Vozes de mulher. Uma criança brincava. Ficou na torneira, à espera que abrissem. Então percebeu que as engrenagens giravam e caiu numa pia. À sua volta era um branco imenso, uma água límpida. A cara da menina aparecia redonda e grande, a olhá-lo interessada. Ela gritou:
Mamãe, tem um homem dentro da pia.”
Não obteve resposta. Esperou, tudo quieto. A menina se cansou, abriu o tampão e ele desceu pelo esgoto.
Ignácio de Loyola Brandão, in Cadeiras proibidas

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