Existem,
é claro, tendências opostas e muito mais encorajadoras. O drástico
decréscimo na mortalidade infantil certamente acarretou um aumento
da felicidade humana e em parte serviu de compensação por todo o
estresse da vida moderna. Ainda assim, apesar de sermos um pouco mais
felizes do que nossos ancestrais, o aumento de nosso bem-estar é
muito menor do que o esperado. Na Idade da Pedra o ser humano médio
tinha à sua disposição 4 mil calorias de energia por dia. Além de
alimento, esse número incluía a energia investida na preparação
de ferramentas, vestimentas, arte e fogueiras. Hoje um americano
médio usa 228 mil calorias diárias de energia para alimentar não
apenas seu estômago, mas também seu carro, seu computador, sua
geladeira e sua televisão. O americano médio usa, portanto,
sessenta vezes mais energia do que um caçador-coletor da Idade da
Pedra. O americano médio é sessenta vezes mais feliz? Não há
dúvida de que podemos ser bem céticos quanto a essas visões
cor-de-rosa.
E
mesmo que tenhamos superado muitas agruras do passado, alcançar uma
felicidade afirmativa pode ser muito mais difícil do que abolir
completamente o sofrimento. Um pedaço de pão era suficiente para
alegrar um camponês medieval faminto. Como alegrar um engenheiro
entediado, muito bem remunerado e obeso? A segunda metade do século
XX foi uma era de ouro para os Estados Unidos. A vitória na Segunda
Guerra Mundial, seguida de uma vitória ainda mais decisiva na
Guerra-Fria, transformou-os na maior superpotência global. Entre
1950 e 2000, o PIB americano cresceu de US $ 2 trilhões para US $ 12
trilhões. A renda real per capita dobrou. A então recém-inventada
pílula anticoncepcional tornou o sexo mais livre do que nunca.
Mulheres, homossexuais, afro-americanos e outras minorias finalmente
ganharam uma fatia maior da torta americana. Carros baratos,
geladeiras, aparelhos de ar-condicionado, aspiradores de pó,
lavadoras de louça, máquinas de lavar, telefones, televisões e
computadores transformaram a vida cotidiana e a fizeram ficar quase
irreconhecível. Mas estudos revelam que os níveis de percepção
subjetiva de bem-estar dos americanos permaneceram mais ou menos os
mesmos da década de 1950.
No
Japão, a renda real média multiplicou-se por cinco entre 1958 e
1987, num dos mais rápidos booms econômicos da história.
Essa avalanche de riqueza, aliada a numerosas mudanças positivas e
negativas no estilo de vida e nas relações sociais dos japoneses,
surpreendentemente teve reduzido impacto nos níveis de bem-estar
subjetivo da população. Os japoneses na década de 1990 estavam tão
satisfeitos — ou insatisfeitos — quanto estavam na década de
1950.
A
impressão que se tem é de que nossa felicidade vai de encontro a um
misterioso teto de vidro que não permite seu crescimento, a despeito
das conquistas sem precedentes que foram alcançadas. Mesmo que
provêssemos alimento grátis para todos, curássemos todas as
doenças e assegurássemos a paz mundial, tudo isso não iria
necessariamente fazer em pedaços o teto de vidro. Alcançar a
verdadeira felicidade não vai ser muito mais fácil do que vencer a
velhice e a morte.
O
teto de vidro da felicidade é mantido no lugar por dois pilares
sólidos, um psicológico e outro biológico. No nível psicológico,
a felicidade depende mais de expectativas do que de condições
objetivas. Não ficamos satisfeitos com uma existência pacífica e
próspera. Em vez disso, nosso contentamento resulta de a realidade
corresponder a nossas expectativas. A má notícia é que, à medida
que as condições melhoram, nossas expectativas inflam. Melhoras
dramáticas nas condições, como as que a humanidade vem
experimentando em décadas recentes, se traduzem em expectativas
maiores e não em mais contentamento. Se não fizermos alguma coisa
quanto a isso, ficaremos insatisfeitos também com nossas conquistas
futuras.
No
nível biológico, tanto nossas expectativas como nossa felicidade
são determinadas mais pela bioquímica do que pela situação
econômica, social ou política. Segundo Epicuro, ficamos felizes
quando desfrutamos de sensações agradáveis e nos sentimos livres
das desagradáveis. Jeremy Bentham, de modo semelhante, sustentava
que a natureza deu o domínio sobre o homem a dois senhores — o
prazer e a dor — e eles sozinhos determinam tudo o que fazemos,
dizemos e pensamos. O sucessor de Bentham, John Stuart Mill, explicou
que a felicidade nada é senão o prazer e a libertação da dor e
que, para além de um e de outro, não há nem o bem nem o mal.
Aquele que buscar deduzir o bem e o mal de algo diferente (como a
palavra de Deus ou o interesse nacional) estará tentando enganá-lo,
e talvez enganando a si mesmo também.
Nos
tempos de Epicuro, tal discurso seria uma blasfêmia. Nos tempos de
Bentham e de Mill, era subversão radical. Mas, no início do século
XXI, é ortodoxia científica. Segundo as ciências biológicas, a
felicidade e o sofrimento não são mais do que sensações corporais
balanceadas de maneiras diferentes. Nunca reagimos a acontecimentos
no mundo exterior, somente a sensações que ocorrem em nosso corpo.
Ninguém sofre porque perdeu o emprego, porque se divorciou ou porque
o governo deu início a uma guerra. O que faz as pessoas infelizes
são as sensações desagradáveis verificadas no próprio corpo.
Perder o emprego certamente pode desencadear uma depressão, que é
em si um tipo de sensação corporal desagradável. São vários os
motivos que podem nos fazer ficar com raiva, porém a raiva nunca é
uma abstração. Ela sempre é sentida como uma sensação de calor e
tensão no corpo, que é o que a torna tão irritante. Não é à toa
que dizemos que estamos “ardendo” de raiva.
Inversamente,
de acordo com a ciência ninguém fica feliz ao conseguir uma
promoção, ganhar na loteria ou encontrar o amor verdadeiro. As
pessoas ficam felizes com uma coisa, e uma coisa apenas — sensações
de prazer no corpo. Imagine que você é Mario Götze, meio-campo da
seleção alemã na final da Copa do Mundo de Futebol de 2014 contra
a Argentina; já se passaram 113 minutos e a partida segue sem gols.
Faltam apenas sete minutos para a temida decisão por pênaltis.
Cerca de 75 mil fãs excitados enchem o estádio do Maracanã, no Rio
de Janeiro, e incontáveis milhões assistem ao jogo pela televisão
no mundo inteiro. Você está a poucos metros do gol argentino quando
André Schürrle faz um magnífico passe em sua direção. Você
ajeita a bola no peito, ela rola até seu pé e você a chuta de
voleio, e a vê passar voando pelo goleiro argentino e se acomodar no
interior da rede. Goooooooool! O estádio entra em erupção, como um
vulcão. Dezenas de milhares de pessoas gritam como loucas, seus
companheiros correm para abraçá-lo e beijá-lo, milhões de pessoas
em Berlim e em Munique irrompem em lágrimas na frente da televisão.
Você está em êxtase, mas não por causa da bola na rede argentina
ou das comemorações que começam nos apinhados Biergartens da
Bavária. Você na realidade está reagindo a uma tempestade de
sensações internas. Arrepios percorrem sua espinha de cima a baixo,
ondas de eletricidade varrem seu corpo, e a sensação é de que você
está se dissolvendo em milhões de bolas de energia em plena
explosão.
Você
não precisa marcar o gol da vitória na final da Copa do Mundo de
Futebol para ser tomado por essas sensações. Se você acabou de
ouvir que recebeu uma promoção inesperada no trabalho e começa a
dar pulos de alegria, está reagindo ao mesmo tipo de sensação. As
partes mais profundas de sua mente nada sabem de futebol ou de
empregos. Elas conhecem apenas sensações. Se você recebeu uma
promoção, mas por algum motivo não sente nenhuma sensação
prazerosa, não ficará satisfeito. O oposto também é verdadeiro.
Se você acabou de ser despedido (ou perdeu um jogo de futebol
decisivo), mas está experimentando sensações muito prazerosas
(talvez por ter tomado algum comprimido), poderá assim mesmo sentir
que está no topo do mundo.
A
má notícia é que sensações agradáveis passam rapidamente e mais
cedo ou mais tarde tornam-se desagradáveis. Nem mesmo marcar o gol
da vitória da final da Copa do Mundo de Futebol garante felicidade
eterna. Na verdade, a partir daí tudo pode seguir ladeira abaixo. De
modo similar, se no ano passado eu ganhei uma promoção inesperada
no trabalho, posso até ainda estar ocupando a nova posição, mas as
agradáveis sensações que experimentei ao ouvir a notícia
desapareceram em poucas horas. Se quiser sentir novamente aquelas
sensações maravilhosas, terei de conseguir outra promoção. E
depois outra. E se não a conseguir, posso ficar ainda mais amargo e
enraivecido do que estaria se tivesse continuado a ser um humilde
carregador de piano.
Yuval
Noah Harari,
in Homo Deus: Uma breve
história do amanhã
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