O jardim das delícias terrenas (1504), de Hieronymus Bosch
Nos tempos em que eu praticava a
feitiçaria chamada psicanálise, estava atendendo uma paciente e ela
disse:
“É, eu tenho ideia fraca...”
Num tom de brincadeira, interferi:
“Alto lá! Nesta sala somente eu tenho
ideias fracas...”
Ela ficou espantada e não entendeu.
Aí eu expliquei: “Eu penso as mesmas
coisas doidas que você pensa...”.
Levantei-me e a chamei para ir ver um
quadro de Hyeronimus Bosch, Jardim
das Delícias. É uma loucura
completa. Cenas inimagináveis, infernais. De onde Bosch tirou
aquelas coisas medonhas? De dentro de sua própria cabeça. Quer
dizer: a cabeça de Bosch era um hospício. Mas ele não era louco.
Era um artista, pintor. Ele não era louco porque suas ideias eram
“fracas”. Ele sabia que as ideias não eram coisas. Só existiam
na sua cabeça. Agora, se ele pensasse que suas ideias eram
realidade, então ele seria doido.
“Eu penso as mesmas coisas estranhas
que você”, continuei. “Mas sei que são só pensamentos, nuvens
brancas levadas por uma brisa. Sou dono deles. E com eles eu faço
literatura da mesma forma como Bosch fez pintura surrealista. Mas os
seus pensamentos são fortes. As nuvens brancas se transformam em
nuvens negras, e chove, com trovões e relâmpagos, e você fica toda
molhada. Você não é dona deles. Eles são mais fortes que você...
Você fica ‘possuída’ por eles...”
Rubem Alves,
in Do universo à jabuticaba
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