Há
tantas coisas germinando na noite, que nem sei como enumerá-las. À
noite nascem as revoluções, tanto as que vão triunfar como as que
só se realizam em pensamento, e são quase todas. Os revolucionários
viram-se, inquietos, na cama. E também os que se converterão, pela
manhã, a religiões novas. E os amorosos. Análises emocionais
levadas ao extremo da tortura arrastam-se pelas horas lentas da
noite. Como a noite é rica! A noite é o tempo de não dormir; é o
de velar e procurar; de criar mundos. Demétrio quis prolongar a
noite obturando todas as frestas do quarto, para que não entrasse a
luz. Luz não entrou.
Demétrio
gozou da noite plena, continuada, e todos os pensamentos lhe
floresciam. Construiu sistemas filosóficos. A escuridão era
propícia a teorias políticas. Nenhum crítico foi mais perspicaz do
que Demétrio, na literatura e nas artes. Aquela noite era
fantástica. Demétrio quis experimentar as sensações de horror,
êxtase, humilhação, glória, poder e morte. Morreu, mesmo, no
escuro. Tendo sentido a morte em seu interior físico, não pôde
mais tirá-la de si. É o único morto, conscientemente morto, de que
já ouvi falar nesta vida. A noite é fantástica.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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