quarta-feira, 20 de março de 2019

20/10/91 - 00:18

Esta é uma dessas noites em que não há nada. Imagine se fosse sempre assim. Vazio. Apático. Sem luz. Sem dança. Nem mesmo insatisfação.
Assim, não se tem o bom senso de cometer suicídio. A ideia simplesmente não ocorre.
Levantar. Coçar-se. Beber um pouco d’água.
Me sinto como um cachorro vira-lata em julho, só que é outubro.
Mesmo assim, tive um bom ano. Montes de páginas estão na prateleira atrás de mim. Escritas desde 18 de janeiro. É como um louco em liberdade. Ninguém são escreveria tantas páginas. É uma doença.
Este ano também foi bom porque mantive os visitantes afastados, mais do que nunca. Só fui enganado uma vez. Um homem me escreveu de Londres, disse que tinha sido professor em Soweto. E quando leu um pouco de Bukowski para seus alunos, muitos demonstraram um grande interesse. Crianças africanas negras. Gostei daquilo. Sempre gostei de acontecimentos a distância. Mais tarde, esse homem me escreveu, dizendo que trabalhava para o Guardian e que gostaria de vir aqui me entrevistar. Pediu meu telefone, via correio, e eu dei a ele. Ele me ligou. Parecia legal. Combinamos uma data e uma hora e ele estava a caminho. Chegou a data e a hora e lá estava ele. Linda e eu oferecemos vinho e ele começou. A entrevista parecia legal, só meio excêntrica, estranha. Ele fazia uma pergunta, eu respondia e ele começava a falar de algumas experiências que teve, mais ou menos relacionando-as com a resposta que eu tinha dado. O vinho continuava rolando e a entrevista acabou. Continuamos bebendo e ele falou da África etc. Seu sotaque começou a mudar, a alterar e a ficar, acho, mais grosseiro. E ele parecia estar ficando cada vez mais burro. Começou a mudar bem na nossa frente. Entrou em sexo e ficou aí. Gostava de garotas negras. Eu disse que não conhecia muitas, mas que Linda tinha uma amiga mexicana. Foi o suficiente. Começou a falar do quanto gostava de garotas mexicanas. Ele tinha que conhecer essa garota mexicana. Era uma necessidade. Dissemos, bem, talvez. Ele continuou sem parar. Estávamos bebendo vinho, mas agia como se tivesse bebido uísque. Logo, se limitou a falar “Mexicana... Mexicana... onde está esta garota mexicana?” Ele se dissolveu completamente. Era apenas um bêbado de bar, babão e sem sentido. Disse a ele que a noite tinha terminado. Tinha que ir ao hipódromo no dia seguinte. Nós o empurramos para a porta. “Mexicana... mexicana”, dizia.
Você vai nos mandar uma cópia da entrevista, não é?”, perguntei.
É claro, é claro”, disse ele. “Mexicana...”
Fechamos a porta e ele foi embora.
Tivemos que beber para tirá-lo da cabeça.
Isso foi meses atrás. O artigo jamais chegou. Ele não tinha nada a ver com o Guardian. Não sei se ele tinha ligado mesmo de Londres. Provavelmente, tinha ligado de Long Beach. As pessoas usam o truque da entrevista para entrar pela minha porta. E como geralmente não pagam por uma entrevista, qualquer um pode chegar e bater na porta com um gravador e uma lista de perguntas. Um cara com sotaque alemão veio uma noite com um gravador. Disse que pertencia a uma publicação alemã que tinha uma circulação de milhões. Ficou horas. Suas perguntas pareciam burras, mas eu me abri, tentei fazer com que a entrevista fosse animada e boa. Ele deve ter gravado umas três horas de fita. Bebemos, bebemos e bebemos. Logo, sua cabeça começou a cair pra frente. Fizemos que bebesse além da conta e estávamos prontos para seguir adiante. Nos divertimos muito. Sua cabeça caía sobre seu peito. Pequenas gotas de baba escorriam pelos cantos da boca. Eu o sacudia. “Ei! Ei! Acorde!” Despertou e me olhou. “Tenho que te falar uma coisa”, disse ele. “Não sou um repórter, só queria vir aqui ver você.”
Houve épocas em que fui um trouxa também para fotógrafos. Diziam que tinham conexões, mandavam amostras de seu trabalho. Vinham com suas telas, seus fundos, seus flashes e seus assistentes. E você nunca mais ouvia falar deles. Quero dizer, eles nunca mandavam nenhuma fotografia de volta. Nenhuma. São os maiores mentirosos. “Vou mandar uma série completa.” Um cara disse: “Vou mandar pra você uma em tamanho natural”. “Como assim?”, perguntei. “Vou mandar uma foto 2 por 3 metros.” Isso já faz uns dois anos.
Eu sempre disse que o trabalho do escritor é escrever. Se eu for queimado por todos esses fajutos e filhos da puta, é culpa minha. Vão puxar o saco da Elizabeth Taylor!
Charles Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

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