quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

O bom

Tem uma crônica do Paulo Mendes Campos em que ele conta de um amigo que sofria de pressão alta e era obrigado a fazer uma dieta rigorosa.
Certa vez, no meio de uma conversa animada de um grupo, durante a qual mantivera um silêncio triste, ele suspirou fundo e declarou:
Vocês ficam aí dizendo que bom mesmo é mulher. Bom mesmo é sal!
O que realmente diferencia os estágios da experiência humana nesta Terra é o que o homem, a cada idade, considera bom mesmo. Não apenas bom. Melhor do que tudo. Bom MESMO.
Um recém-nascido, se pudesse participar articuladamente de uma conversa com homens de outras idades, ouviria pacientemente a opinião de cada um sobre as melhores coisas do mundo e no fim decretaria:
Conversa. Bom mesmo é mãe.
Depois de uma certa idade, a escolha do melhor de tudo passa a ser mais difícil. A infância é um viveiro de prazeres. Como comparar, por exemplo, o orgulho de um pião bem lançado, o volume voluptuoso de uma bola de gude daquelas boas entre os dedos, o cheiro da terra úmida, o cheiro do caderno novo?
Bom mesmo é cheiro de Vick-Vaporub!
Mas acho que, tirando-se uma média das opiniões de pré-adolescentes normais brasileiros, se chegaria fatalmente à conclusão de que nesta fase bom mesmo, melhor do que tudo, melhor até do que fazer xixi na piscina, é passe de calcanhar que dá certo.
Mais tarde a gente se sente na obrigação de pensar que bom mesmo é mulher, mas no fundo ainda acha que bom mesmo é acordar com febre e não precisar ir à aula.
Depois, sim, vem a fase em que não tem conversa. Bom mesmo é sexo! Quem diz outra coisa é porque está sendo ou muito honesto ou desconcertantemente original.
Bom mesmo é pudim de laranja.
Melhor do que sexo?
Bom... Cada coisa na sua hora.
Luís Fernando Veríssimo, in A mesa voadora

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