quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

A mesa

Eram cinco. Reuniam-se todos os dias depois do trabalho para o chope. Há anos faziam a mesma coisa. E cada vez ficavam mais tempo na mesa do bar. Sempre o mesmo bar e sempre a mesma mesa. No começo eram dois, três chopes cada um, no máximo um tira-gosto, depois pra casa, jantar. Todos tinham mulher, família, essas coisas. Mas um dia o Gordo anunciou: “Vou jantar aqui mesmo.” E pediu um filé.
Os outros, aos poucos, foram aderindo. Era um sacrifício deixar a roda logo quando o papo estava ficando bom. Passaram a jantar no bar também. Depois mais dois, três chopes cada um e pra casa, dormir. Até que um dia o Gordo — de novo o pioneiro — bateu na mesa e declarou:
Pois não vou pra casa.
Como, não vai pra casa?
Não vou. Vou passar a noite aqui.
Mas na hora de fecharem o bar, te botam na rua.
Quero ver fecharem o bar comigo aqui dentro.
Na verdade, o dono não se animou a botar o Gordo para fora. A turma era antiga, bons fregueses. Fechou o bar, mas deixou o Gordo na mesa. No dia seguinte, quando os outros quatro chegaram, encontraram o Gordo no mesmo lugar. Com uma pilha de bolachas de chope na sua frente.
Você não saiu daí?
Só para ir ao banheiro.
Em seguida, o Gordo participou, com alguma solenidade, que não sairia mais do bar.
Nunca mais?
Nunca.
Os outros se entreolharam, o Julião foi o primeiro a falar:
Pois eu também não!
Fizeram um pacto. Ninguém sairia mais daquela mesa. Ao diabo com mulheres, filhos, o Brasil e o resto. Só levantariam da mesa para ir ao banheiro. Passariam o resto da vida tomando chope e batendo papo.
E em caso de guerra atômica? — perguntou um, previdente.
Morremos aqui mesmo.
Combinado!
E estão lá até hoje. No mesmo bar e na mesma mesa, há meses.
As mulheres tentaram carregá-los para casa, sem sucesso. Os filhos foram implorar, parentes e amigos tentam dissuadi-los. Sem sucesso. Dormem ali mesmo, comem ali mesmo, se precisam de alguma coisa — cigarros ou outra camisa — mandam buscar. O dono do bar não sabe o que fazer. Como os cinco abandonaram seus empregos, provavelmente não terão dinheiro para pagar a conta. Mas é pouco provável que peçam a conta num futuro próximo. O papo está cada vez mais animado.
Luís Fernando Veríssimo, in A mesa voadora

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