Pequenos
mundos de Valparaíso, abandonados, sem razão e sem tempo, como
caixas que ficaram no fundo de uma adega sem nunca ninguém reclamar,
sem se saber de onde vieram nem se sairiam dali. Talvez que nestes
domínios secretos, nestas almas de Valparaíso, ficaram guardadas
para sempre a soberania perdida de uma onda, a tormenta, o sal, o mar
que zumbe e estremece. O mar de cada um, ameaçador e contido: um som
incomunicável, um movimento solitário que passou a ser farinha e
espuma dos sonhos.
Nas
vidas excêntricas que descobri me surpreendeu a unidade suprema que
mostravam com o porto dilacerador. Acima, pelos morros floresce a
miséria em borbotões frenéticos de alcatrão e alegria. Os
guindastes, os embarcadouros, o trabalho do homem cobrem a cintura da
costa com uma máscara pintada pela felicidade fugidia. Outros porém
não chegaram lá em cima, pelas colinas, e nem embaixo pela faina.
Guardaram em seu caixão o próprio infinito e seu fragmento de mar.
E
o protegiam com as armas próprias enquanto o esquecimento se
aproximava deles como a névoa.
Valparaíso
às vezes se agita como uma baleia ferida. Cambaleia no ar, agoniza,
morre e ressuscita.
Aqui
cada cidadão leva em si uma lembrança de terremoto. É uma pétala
de espanto que vive aderida ao coração da cidade. Cada cidadão é
um herói antes de nascer. Porque na memória do porto há esse
descalabro, esse abalo da terra que treme e o ruído rouco que vem da
profundeza como se uma cidade submarina e subterrânea arrojasse seus
campanários enterrados a dobrarem para dizerem ao homem que tudo
terminou.
Às
vezes, quando já ruíram os muros e os tetos entre o pó e as
chamas, entre os gritos e o silêncio, quando tudo já parecia
definitivamente quieto na morte, saiu do mar como o espanto último a
grande onda, a imensa mão verde que, alta e ameaçadora, sobe como
uma torre de vingança varrendo a vida que ficara a seu alcance.
Tudo
começa às vezes por um movimento vago e os que dormem, despertam. A
alma entre sonhos se comunica com raízes entranhadas com sua
profundidade terrestre. Sempre quis saber isso - e agora sei. Logo,
no grande estremecimento, não há para onde apelar porque os deuses
partiram, as igrejas vaidosas foram convertidas em torrões
triturados.
O
pavor não é o mesmo do que corre do touro iracundo, do punhal que
ameaça ou da água que se engole. Este é um pavor cósmico, uma
insegurança instantânea, o universo que rui e se desfaz. Enquanto
isso a terra soa com um rugido surdo e com uma voz que ninguém
conhecia.
O
pó levantado pelas casas ao ruir pouco a pouco se aquieta. E ficamos
sós com nossos mortos e com todos os mortos, sem saber por que
continuamos vivos.
Pablo
Neruda, in Confesso que vivi
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