Para
um solitário ou desesperado, um cigarro na boca é uma válvula de
escape. Para qualquer fumante, uma tragada o conduz a um paraíso
efêmero: um momento de prazer em que as ideias e a conversa fluem.
Um
suicida fuma o último cigarro antes do ato fatal? Prisioneiros e
namorados costumam fumar. Quantos amantes não dão uma pitada depois
de uma noite de amor?
Em
certos países, um fumante é considerado um ser inferior. Lembro que
na década de 1990, quando passei uma temporada na Califórnia e
enrolava cigarros com tabaco holandês, tinha que sair do campus para
dar umas pitadas. Eu e a chefe do departamento fumávamos quase
escondidos, como se fôssemos meliantes, conspiradores ou membros de
uma seita secreta. Minha amiga me disse que isso era injusto, pois
milhares de americanos cheiravam cocaína, estimulando o tráfico de
drogas. Algo semelhante foi dito recentemente no México por Hillary
Clinton, que apenas repetiu o que García Márquez havia declarado
numa entrevista: “A Colômbia fabrica cocaína, mas muitos
executivos de Wall Street devem fechar as narinas”.
A
campanha e as leis contra o fumo são tão drásticas que até os
personagens de ficção fumam menos. Alguns param de fumar no segundo
capítulo. A maioria nem fuma mais. Se o fumo fosse proibido na
ficção, os personagens atormentados de Juan Carlos Onetti não
existiriam. Nos romances e contos do grande escritor uruguaio —
traduzidos com esmero por Josely Vianna Baptista — o tabaco e a
bebida formam um par perfeito com a sordidez, a solidão e a
desilusão. No inferno tão temido — mas quase sempre inevitável —
da obra de Onetti, o fumo é um ritual recorrente e até mesmo
necessário para a meditação dos personagens ou para a conversa
entre eles.
“Acendeu
e tragou com força, aquecendo-se na fumada áspera” é uma das
tantas frases em que o ato de fumar não é apenas um gesto diletante
ou um mero passatempo, mas também o preâmbulo de um momento tenso,
antes ou depois de uma decisão em que a face da desgraça se revela
ao leitor.
A
única vez que vi Onetti foi numa conferência em Madri, uma
conferência insólita, pois ele não falou nada, ou não conseguiu
dizer nada, exceto quatro palavras: “Boa noite, muito obrigado”.
Fumou e bebeu o tempo todo e deixou que os outros falassem por ele.
Para a plateia ficou claro que Onetti não queria aborrecer ninguém.
E que também um fumante silencioso é preferível a um fumante
falastrão.
No
romance A consciência de Zeno, de Italo Svevo, o fumo, além
de ser um vício, lida com uma dúvida moral. Apesar de ser um
fumante compulsivo, a doença do burguês mulherengo Zeno Cosini é,
antes de tudo, moral. A certa altura, o narrador, ao refletir sobre a
relação entre o vício e a culpa durante a juventude, escreve:
Agora
que estou a analisar-me, assalta-me uma dúvida: não me teria
apegado tanto ao cigarro para poder atribuir-lhe a culpa de minha
incapacidade? Será que, deixando de fumar, eu conseguiria de fato
chegar ao homem forte e ideal que eu me supunha? Talvez tenha sido
essa mesma dúvida que me escravizou ao vício, já que é bastante
cômodo podermos acreditar em nossa grandeza latente. Avento esta
hipótese para explicar minha fraqueza juvenil, embora sem convicção
definida. Agora que sou velho e que ninguém exige nada de mim, passo
com frequência dos cigarros aos bons propósitos e destes novamente
aos cigarros. Que significam hoje tais propósitos? Como aquele velho
hipocondríaco, descrito por Goldoni, será que desejo morrer são
depois de ter passado toda a vida doente?
Claro
que a leitura do romance de Svevo não ajuda um fumante a largar o
vício. Mas como ex-fumante posso garantir que essa frase do escritor
italiano é totalmente verossímil: “Creio que o cigarro, quando se
trata do último, revela muito mais sabor”.
Milton
Hatoum, in Um solitário à espreita
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