Andando,
notou que os postes estavam vergando, lentamente. Eram de concreto,
altos, base grossa, um metro de diâmetro. Vergaram como se fossem de
borracha, até que as lâmpadas se espatifaram no chão. O povo
começou a correr, sem saber em que direção corria. Apenas porque
quando alguma coisa fora do normal acontece, o povo corre. O homem é
assim, racional. Corre, depois pergunta o porquê.
Não
devia ser medo do poste cair em cima, porque eles se vergavam tão
devagar, que a gente tinha tempo para decidir sair de lado e deixar o
poste cair. Alguns ficavam paralisados e recebiam o poste na cabeça.
Era concreto amolecido, mas pesado. As pessoas desmaiavam ou morriam,
sabe-se lá. Ficavam estendidas, de olhos abertos.
Ele
se aproximou e experimentou com o dedo. O concreto cedia, o dedo se
enfiava no poste. Como geleia de mocotó. O que se passa? Que força
é essa que atua sobre cimento endurecido? Enquanto as pessoas
corriam e se escondiam, olhando pelas frestas de janelas e portais,
ele, sozinho na avenida, examinava poste por poste. Quando chegou ao
fim da quadra, percebeu que o cimento tinha endurecido outra vez. Mas
os postes continuavam no chão, tortos.
Uma
das características deste homem era enfrentar as coisas. Os postes
que amoleciam era algo a se descobrir. Como? Partir de onde? Da
análise da atmosfera naquele momento preciso? Qualquer coisa teria
se passado com o ar, ou a luz, provocando reações inusitadas.
Talvez um laboratório de física ou a faculdade de arquitetura
pudessem ajudá-lo.
Foi
lá, no dia seguinte. E perguntaram:
– Mas
dobrou-se, simplesmente? Como um arbusto? O cimento? Impossível.
– Impossível
como? Eu vi. Os postes estão na avenida, dobrados.
Foram
até a avenida. A prefeitura, excepcionalmente, tinha derrubado os
postes e amontoado num canto da calçada.
– Viu
só. Não era nada do que o senhor contava.
– Mas
vi! Experimentei com esse dedo. Não estou louco.
– Deve
ser o sol, disse um cientista. Ou a poluição, acrescentou outro. Ou
raios gama, disse um jornalista.
– Que
nada. Os postes amoleceram e dobraram e precisamos saber por quê.
– Por
que precisamos saber?
– Acontece
uma coisa dessas e ninguém quer saber o porquê?
– Saber
certas coisas pode atrapalhar nossa vida. Melhor ignorá-las.
– Preciso
ir embora, disse um professor. Quase seis horas, tenho de bater o meu
ponto, ou perco o domingo.
Ficou
só, o homem. Olhando os postes, com os pés tortos. Começava a
escurecer e a prefeitura tinha instalado luzes provisórias. Parecia
decoração de Natal. O homem sentou-se no poste. Nem indignado nem
surpreso com as atitudes. Era sempre assim, acomodação geral,
ninguém queria nada com nada. Tinha tentado, porque as escolas
possuíam aparelhos e recursos. Mas não usavam, o governo não dava
verbas, os aparelhos eram para serem mostrados em aulas teóricas.
Então,
o homem sentiu o cimento amolecer. E o poste foi se dobrando,
dobrando. Até envolvê-lo. Como gigantesca jiboia dando um abraço
mortal. O poste apertou, até os ossos se estalarem, estalarem.
Reduzirem-se a uma pasta.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras Proibidas
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