Por
que eu deveria continuar a viver na história, a dividir os ideais de
minha época, a preocupar-me com a cultura ou com os problemas
sociais? Estou cansado da cultura e da história; é quase impossível
que, de agora em diante, eu participe dos tormentos do mundo e das
suas aspirações. Devemos ultrapassar a história: só
atingimos tal estado assim que passado, presente e futuro não têm
mais qualquer importância - quando nos é indiferente saber onde
e quando nós vivemos. Em que vale mais a pena viver hoje do
que no Egito antigo? Nós seríamos perfeitos idiotas se
lamentássemos a vida daqueles que viveram em outras épocas,
ignorando o cristianismo ou as invenções e descobertas da ciência.
Como não saberíamos hierarquizar as concepções de vida, todo
mundo tem razão - e ninguém a tem. Cada época constitui um mundo
em si, fechado em suas certezas até que o dinamismo da vida e a
dialética da história conduzam a novas fórmulas tão limitadas e
insuficientes quanto as anteriores. Pergunto-me como é que certas
pessoas podem ocupar-se exclusivamente do passado, de tanto que a
história me parece nula em sua integralidade. Que interesse pode ter
o estudo dos idos ideais e das crenças de nossos predecessores? Por
mais que as criações humanas tenham sido magníficas -
desinteresso-me delas completamente. A contemplação da eternidade
não me concede, na verdade, um apaziguamento muito maior? Não
homem/história, mas homem/eternidade - eis uma relação
aceitável num mundo que não vale nem mesmo a pena que nele
respiremos. Ninguém nega a história por simples capricho; se o
fazemos, é sob a pressão de imensas tragédias, das quais poucos
suspeitam a existência. Imaginemos que você tenha pensado a
história abstratamente antes de negá-la pela razão - neste caso,
sua negação resultaria, na realidade, de um profundo abatimento.
Quando nego o passado da humanidade em sua totalidade; quando me
recuso a participar da vida histórica, sou tomado por uma amargura
mortal, mais dolorosa do que se poderia imaginar. Estes pensamentos
vêm, acaso, renovar e intensificar uma tristeza latente? Sinto em
mim um sabor amargo de morte e de vazio, que me queima como um
violento veneno. Fico triste a ponto de que tudo “aqui embaixo”
me pareça totalmente despido de charme. Como eu ainda poderia falar
de beleza e envolver-me com a estética, se estou triste de morte?
Eu
não quero mais saber de nada. Ultrapassando a história, adquire-se
uma espécie de subconsciência capital para a experiência da
eternidade. Ela nos leva, na verdade, em direção a uma região em
que as antinomias, as contradições e as incertezas deste mundo
perdem seu sentido - em que se esquece da existência e da morte. É
o medo da morte que anima os amadores da eternidade: a experiência
desta tem, na verdade, como única vantagem real o fato de nos fazer
esquecer a morte. Mas o que é que há quando a contemplação acaba?
Emil
Cioran, in Nos cumes do desespero
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