segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

História e eternidade

Por que eu deveria continuar a viver na história, a dividir os ideais de minha época, a preocupar-me com a cultura ou com os problemas sociais? Estou cansado da cultura e da história; é quase impossível que, de agora em diante, eu participe dos tormentos do mundo e das suas aspirações. Devemos ultrapassar a história: só atingimos tal estado assim que passado, presente e futuro não têm mais qualquer importância - quando nos é indiferente saber onde e quando nós vivemos. Em que vale mais a pena viver hoje do que no Egito antigo? Nós seríamos perfeitos idiotas se lamentássemos a vida daqueles que viveram em outras épocas, ignorando o cristianismo ou as invenções e descobertas da ciência. Como não saberíamos hierarquizar as concepções de vida, todo mundo tem razão - e ninguém a tem. Cada época constitui um mundo em si, fechado em suas certezas até que o dinamismo da vida e a dialética da história conduzam a novas fórmulas tão limitadas e insuficientes quanto as anteriores. Pergunto-me como é que certas pessoas podem ocupar-se exclusivamente do passado, de tanto que a história me parece nula em sua integralidade. Que interesse pode ter o estudo dos idos ideais e das crenças de nossos predecessores? Por mais que as criações humanas tenham sido magníficas - desinteresso-me delas completamente. A contemplação da eternidade não me concede, na verdade, um apaziguamento muito maior? Não homem/história, mas homem/eternidade - eis uma relação aceitável num mundo que não vale nem mesmo a pena que nele respiremos. Ninguém nega a história por simples capricho; se o fazemos, é sob a pressão de imensas tragédias, das quais poucos suspeitam a existência. Imaginemos que você tenha pensado a história abstratamente antes de negá-la pela razão - neste caso, sua negação resultaria, na realidade, de um profundo abatimento. Quando nego o passado da humanidade em sua totalidade; quando me recuso a participar da vida histórica, sou tomado por uma amargura mortal, mais dolorosa do que se poderia imaginar. Estes pensamentos vêm, acaso, renovar e intensificar uma tristeza latente? Sinto em mim um sabor amargo de morte e de vazio, que me queima como um violento veneno. Fico triste a ponto de que tudo “aqui embaixo” me pareça totalmente despido de charme. Como eu ainda poderia falar de beleza e envolver-me com a estética, se estou triste de morte?
Eu não quero mais saber de nada. Ultrapassando a história, adquire-se uma espécie de subconsciência capital para a experiência da eternidade. Ela nos leva, na verdade, em direção a uma região em que as antinomias, as contradições e as incertezas deste mundo perdem seu sentido - em que se esquece da existência e da morte. É o medo da morte que anima os amadores da eternidade: a experiência desta tem, na verdade, como única vantagem real o fato de nos fazer esquecer a morte. Mas o que é que há quando a contemplação acaba?
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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