Andrea
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Entrou
no hospital, mandou chamar o melhor neurocirurgião. Disse que era
caso de vida ou morte. Não se sabe como, o melhor neurocirurgião
foi atendê-lo. Médicos são imprevisíveis. Precisa-se muito e eles
falham. Subitamente, estão ali, salvando nossas vidas, ele pensou,
sem se incomodar com o lugar comum.
Estava
na sala diante do especialista. Uma sala branca, anônima. Por que é
sempre assim, deprimindo a gente logo de entrada?
O
médico:
– Sim?
– Quero
me operar. Quero que o senhor tire um pedaço do meu cérebro.
– Um
pedaço do cérebro? Por que vou tirar um pedaço do seu cérebro?
– Porque
eu quero.
– Sim,
mas precisa me explicar. Justificar.
– Não
basta eu querer?
– Claro
que não.
– Não
sou dono do meu corpo?
– Em
termos.
– Como
em termos?
– Bem,
o senhor é e não é. Há coisas que o senhor está impedido de
fazer. Ou melhor, eu é que estou impedido de fazer no senhor.
– Quem
impede?
– A
ética, a lei.
– A
sua ética manda no meu corpo? Se pago, se quero, é porque quero
fazer do meu corpo aquilo que desejo. E acabou!
– Olha,
a gente vai ficar o dia inteiro nesta discussão! E não tenho tempo
a perder. Por que o senhor quer cortar um pedaço do cérebro?
– Quero
eliminar a memória.
– Para
quê?
– Incrível!
As pessoas só sabem perguntar: o quê? por quê? para quê? Falei
com dezenas de pessoas e todos me perguntaram: por quê? Não podem
aceitar, pura e simplesmente, alguém que deseja eliminar a memória.
– Já
que o senhor veio a mim, tenho o direito dessa informação.
– Não
quero me lembrar de nada. Só isso. As coisas passaram, passaram.
Fim!
– Não
é tão simples! Na vida diária, o senhor precisa da memória. Para
lembrar pequenas coisas. Ou grandes. Compromissos, encontros, coisas
a pagar etc.
– É
tudo isso que vou eliminar. Marco numa agenda, olho ali e pronto.
– Não
dá para fazer, de qualquer modo. A medicina não está tão
adiantada!
– Em
lugar nenhum posso eliminar a minha memória?
– Que
eu saiba, não.
– Seria
muito melhor para os homens. O dia a dia. O dia de hoje para a
frente. Entende o que eu quero dizer? Nenhuma lembrança ruim ou boa,
nenhuma neurose. O passado fechado, encerrado. Definitivamente
bloqueado. Não seria engraçado? Não se lembrar do que se tomou no
café da manhã? E para que me lembrar do que tomei no café da
manhã?
– Se
todo mundo agisse assim, acabaria a história.
– E
quem quer saber de história?
– Imaginou
o mundo?
– Feliz,
tranquilo. Só de futuro. O dia em vez de se transformar em passado
de hoje, mudando-se em futuro. Cada instante projetado para a frente.
– Não
é bem assim. Teríamos apenas uma soma de instantes perdidos. Nada
mais. Cada segundo eliminado. A sua existência comprovada através
do quê?
– Quem
quer comprovar a existência?
– A
gente precisa.
– Para
quê?
O
médico pensou. Não conseguiu responder. Estava totalmente confuso.
Pediu ao homem que voltasse outro dia. O médico subiu para os
brancos corredores do hospital, passou pela sala de operações.
Chamou um amigo.
– Estou
pensando em tirar um pedaço do meu cérebro. Eliminar a memória. O
que você acha?
– Muito
boa ideia. Por que não pensamos nisto antes? Opero você e depois
você me opera. Também quero.
Ignácio
de Loyola Brandão, in
Cadeiras proibidas
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