domingo, 9 de dezembro de 2018

O arremesso




Uma palavra sobre um incidente do capítulo anterior.
Segundo o invariável costume da pesca, o bote baleeiro se afasta do navio com o oficial, ou matador de baleias, como timoneiro temporário, e o arpoador, ou caçador de baleias, movendo o remo-guia, conhecido como remo do arpoador. É necessário ter um braço vigoroso e forte para cravar o primeiro ferro no peixe; pois, amiúde, quando se trata do chamado arremesso comprido, o pesado apetrecho tem de ser lançado a uma distância de vinte ou trinta pés. Por mais longa e exaustiva que seja a caçada, espera-se do arpoador que empenhe força máxima em seu remo; de fato, espera-se que dê aos outros o exemplo de uma atividade sobre-humana, não apenas por um extraordinário remar, como também ao proferir repetidamente altas e intrépidas exclamações; e o que significa gritar a plenos pulmões, quando todos os músculos estão exaustos e alquebrados – isso ninguém pode saber, senão por experiência. Quanto a mim, não consigo gritar com muito entusiasmo e trabalhar com muita determinação ao mesmo tempo. Nesse estado de cansaço e de gritaria, de costas para o peixe, de repente o arpoador exaurido escuta um agitado comando – “Levante-se! Ao ataque!”. Ele então tem de soltar e prender o remo, dar meia-volta, pegar seu arpão da forquilha e, com o pouco de força que ainda lhe resta, tentar de algum modo acertá-lo na baleia. Não admira, pois, considerando-se as frotas de baleeiros em conjunto, que de cinquenta oportunidades para um arremesso nem cinco delas tenham êxito; não admira que tantos e infelizes arpoadores sejam furiosamente amaldiçoados e desqualificados; não admira que alguns deles estourem seus vasos sanguíneos no bote; não admira que alguns caçadores de Cachalotes fiquem por quatro anos ausentes para apenas quatro barris de óleo; não admira que para muitos proprietários de navios baleeiros a pesca de baleias signifique prejuízo; pois é o arpoador que faz a viagem, e se lhe tiram o fôlego, como pode se esperar que ele o recupere no momento mais necessário?!
Ainda assim, se o arremesso é bem-sucedido, há um segundo momento crítico, ou seja, quando a baleia começa a correr, e o líder do bote e o arpoador também começam a correr, da proa para a popa, com perigos iminentes para si e para os demais. É nesse momento que trocam de lugares; e o líder, o oficial principal da pequena embarcação, toma sua posição na proa do bote.
Ora, não me importa quem pense o contrário, mas tudo isso é estúpido e desnecessário. O oficial deveria ficar na proa do começo ao fim, deveria arremessar o arpão e a lança, e não deveria remar, por mais que o esperassem, a não ser em circunstâncias óbvias para qualquer pescador. Sei que isso por vezes envolveria uma pequena perda de velocidade na caça; mas a longa experiência de vários baleeiros de mais de um país me convenceu de que a grande maioria dos fracassos na pesca não foi de modo algum causada pela velocidade da baleia, mas pela anteriormente descrita exaustão do arpoador.
Para garantir uma maior eficiência no arremesso, os arpoadores deste mundo deveriam se levantar saídos do descanso, não da fadiga.
Herman Melville, in Moby Dick

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