Mariana
telefonou para Leonardo. Angustiada:
– Perdi
o b.
– Perdeu
o b?
– Não
consigo mais escrever o b.
– Como?
Que história é essa?
– Uma
coisa estranha. Faz três dias que venho notando. A princípio
imaginei que fosse distração, sou uma digitadora primária, uso
apenas dois dedos. Depois percebi que, ao pressionar o b, sai um s.
– Defeito
do teclado. Tão simples.
– Não
é. Veio um técnico, testou. Pressionava o b e saía o b. Eu
pressionava e saía o s.
– Será
um problema neurológico?
– Por
que haveria de ser? O computador não tem neurônios como nosso
cérebro. E um neurologista, pelo que sei, cuida de neurônios.
– Achei
que sim.
Ele
decidiu fazer um ligeiro teste. Leonardo adorava testes, comprava
revistas de palavras cruzadas apenas para fazê-los, conhecia
truques. Pediu à Mariana:
– Venha
à minha casa.
Em
dez minutos ela estava lá, porque além de tudo tinha uma queda pelo
garotão. Um gato! Ligaram o computador.
– Escreva
boiota.
– O
que é isso?
– Uma
palavra. Boiota.
– Não
escrevo o que não sei. É soiola?
– Soiola,
não. Boiola. Boiola é bicha. Boiota é mentecapto.
Ela
digitou. Saiu soiota na tela. Leonardo escreveu certo, boiota.
– Viu?
– Agora,
escreva botrópico.
– O
que é isso?
– O
mesmo que laquético.
– E
o que é laquético?
– Não
sei.
Ela
digitou sotrópico. E assim, durante algum tempo, ele foi dizendo
palavras como bracajá, brévia, bródio, buço, bucaneiro, bazofiar,
baronato. Ela digitava sracajá, srécia, sródio, suço, sucaneiro,
sazofiar, saronato.
– Não
adianta mesmo.
– Temos
de encontrar um especialista em trocar palavras. Deve ser um vírus
novo, há tantos por aí, desconhecidos.
Dias
depois, Mariana ligou.
– Agora
piorou. Não consigo pronunciar o s.
– Também
o s?
– Não
o s. O s.
– Pois
é isso que estou entendendo.
– Não,
não está. Lembra-se? Havia uma letra que eu trocava pela outra.
Quando digitava aparecia o s. Naquele tempo eu podia pronunciar
aquela letra, a primeira de soiota.
– Boiota.
– Só
que agora não consigo mais pronunciar a primeira letra, aquela, a
verdadeira.
– Não
fala mais o b? Quando quer falar o b, fala o s?
– Isso!
Passou
uma semana, Leonardo ligou para ela.
– Continua
tudo igual?
– Continua.
– Ficou
naquela letra?
– Ficou.
Mas descobri um colega de trabalho que não consegue digitar, nem
pronunciar o s. Quando quer falar ou digitar, aparece o s. Exatamente
o contrário de mim.
Ele
ironizou:
– O
jeito é vocês se casarem, para acertar as tetras.
– Tetras?
– É.
Foi o que disse. Tetras.
– E
o que significa?
– As
tetras do alfabeto.
– Ah,
as letras. Então, você está trocando o l pelo t? Diga limão.
– Timão.
– Linha.
– Tinha.
– Viu?
Agora, você precisa procurar quem faça o contrário. Quem troque o
t pelo l, e assim acertam as letras.
Menos
de um mês depois, se viu que cada um trocava uma letra por outra. A
por h, x por d, p por r. E todos esqueceram a trivialidade dos
empregos, descalabros do governo, congestionamentos, angústias
amorosas, e centenas de outras coisas que compõem o cotidiano. O que
se viu, e se vê, é uma intensa busca do parceiro ideal, aquele que
troca as letras ao contrário da de cada um. Vive-se, agora, o tempo
das trocas. Difícil como ser feliz.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras Proibidas
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