Infelizmente,
a esperança durou pouco. Logo no dia seguinte, Pedro Muzquiz
apareceu na casa, acompanhado por seu respeitável pai, para pedir a
mão de Tita em casamento. A chegada causou um enorme alvoroço, já
que a visita era completamente inesperada. Alguns dias antes, Tita
mandara um recado a Pedro por meio do irmão de Nacha, pedindo que
desistisse do pedido. O irmão jurou que enviara o recado, e, mesmo
assim, ali estavam eles. Mãe Elena recebeu-os na sala de visitas;
foi extremamente delicada e explicou o motivo pelo qual Tita não
podia casar.
– Mas,
se lhes interessa que Pedro se case, eu gostaria que levassem em
consideração a minha filha Rosaura, que é apenas dois anos mais
velha que Tita. Ela está cem por cento disponível e pronta
para casar...
Com
isso, Chencha quase deixou cair a bandeja com café e biscoitos, que
trouxera à sala, em cima de Mãe Elena. Desculpou-se e voltou
depressa à cozinha, onde Tita, Rosaura e Gertrudis esperavam que
Chencha contasse os detalhes sobre o que acontecia na sala. Quando
irrompeu na cozinha, todas interromperam o que faziam para não
perder sequer uma palavra.
As
moças estavam fazendo pães de Natal. Como o nome indica, esses pães
são preparados na temporada natalina, mas naquela ocasião eram
destinados à comemoração do aniversário de Tita. Logo ela teria
16 anos, e queria celebrar com um de seus pratos favoritos.
– Não
é impressionante? Sua mãe fala sobre estar pronta para casar como
se estivesse servindo um prato de enchiladas! E o pior é que
elas são completamente diferentes! Não se pode trocar tacos
por enchiladas assim!
Chencha
continuou com esse tipo de comentários enquanto contava às outras –
à sua maneira, é claro – sobre a cena que acabara de testemunhar.
Tita sabia que algumas vezes Chencha exagerava e distorcia as coisas,
por isso não deixou a angústia tomar conta de seu coração. Ela se
recusava a considerar como certo o que ouvira. Fingindo estar calma,
continuou cortando os pães para as irmãs e Nacha rechearem.
É
melhor usar massa feita em casa. Os pães podem ser comprados numa
padaria, mas devem ser pequenos; os maiores não são bons para essa
receita. Depois de rechear os pães, asse-os por dez minutos e sirva
quente. Para melhores resultados, deixe os pães embrulhados em um
pano por uma noite, no sereno. Com isso, eles ficarão impregnados
com a gordura do chouriço.
Quando
Tita acabou de embrulhar os pães que comeriam no dia seguinte, Mãe
Elena entrou na cozinha e informou-as de que concordara com o
casamento de Pedro – com Rosaura.
Ao
ouvir a confirmação da história de Chencha, Tita sentiu seu corpo
ser tomado por um arrepio gélido: com uma rajada veloz e penetrante,
sentiu tanto frio que deixou seu rosto queimado e vermelho, vermelho
como as maçãs que estavam ao seu lado. Aquele frio durou por muito
tempo, e ela não sentiu alívio nem mesmo quando Nacha lhe disse o
que escutara quando acompanhou Don Pascual Muzquiz e seu filho ao
portão do rancho. Nacha seguiu-os, andando o mais silenciosamente
que podia para ouvir a conversa entre pai e filho. Don Pascual e
Pedro andavam devagar, falavam baixo em vozes controladas, dominadas
pela indignação.
– Por
que você fez isso, Pedro? Será ridículo aceitar o casamento com
Rosaura. O que aconteceu com o amor eterno que jurou à Tita? Não
vai manter sua palavra?
– Claro
que manterei. Quando lhe dizem que não há jeito de se casar com a
mulher que você ama, a única esperança em ficar perto dela é
casar com a irmã. Você não faria o mesmo?
Nacha
não conseguiu ouvir a resposta; Pulque, o cachorro do rancho, seguia
correndo ao lado, latindo para um coelho que confundira com um gato.
– Então
você pretende casar sem amor?
– Não,
papai, vou casar com o amor enorme e imortal que sinto por Tita.
As
vozes tornavam-se cada vez menos perceptíveis, mergulhadas no
barulho das folhas secas em que pisavam. Era estranho que Nacha, que
ouvia muito mal àquela época, dissesse ter escutado essa conversa.
Mesmo assim, Tita a agradeceu por ter lhe contado, mas aquilo não
alterou o sentimento gélido que começou a nutrir por Pedro. Dizem
que os surdos não podem ouvir, mas podem entender. Talvez Nacha só
tenha ouvido o que todos tinham medo de dizer. Naquela noite, Tita
não conseguiu dormir; não conseguia encontrar palavras para aquilo
que sentia. Era uma pena que os buracos negros ainda não tivessem
sido descobertos, porque assim ela teria entendido o buraco negro no
centro do seu peito, por onde fluía um frio infinito.
Sempre
que fechava os olhos, ela via cenas do último Natal, quando Pedro e
sua família tinham sido convidados para a ceia pela primeira vez; as
cenas tornavam-se mais e mais vívidas, e o frio dentro dela
tornava-se mais e mais cortante. Apesar do tempo que havia passado
desde aquela noite, ela recordava perfeitamente os sons, os aromas, o
modo como seu vestido novo arrastara pelo piso recém-encerado, o
olhar de Pedro para ela... Aquele olhar! Ela caminhava em direção à
mesa, carregando uma bandeja de doces de gema de ovos, quando sentiu
o olhar quente dele queimando sua pele. Virou a cabeça e seus olhos
se encontraram. Foi então que ela entendeu como uma rabanada fica ao
ser mergulhada em óleo quente. O calor que invadiu seu corpo era tão
real que temeu que, assim como a massa de farinha, ovos e leite ao
fritar, começassem a sair borbulhas de todo o seu corpo – pelo
rosto, estômago, coração, seios. E, incapaz de sustentar o olhar
dele, Tita abaixou os olhos e atravessou a sala em direção ao local
onde Gertrudis pedalava a pianola, tocando uma valsa chamada “Olhos
da juventude”. Ela colocou a bandeja em uma mesinha no meio da
sala, pegou uma taça de licor Noyo que estava diante de si e, sem
consciência do que estava fazendo, sentou-se ao lado de Paquita
Lobo, vizinha da família. Mas mesmo aquela distância entre ela e
Pedro não era suficiente; ela sentia o sangue pulsando,
queimando-lhe as veias. Um rubor espalhou-se pelo rosto, e, não
importava o quanto se empenhasse, não encontrava um local para
descansar os olhos. Paquita percebeu que algo a importunava.
– Esse
licor é muito forte, não é? – perguntou, com um olhar
preocupado.
– O
quê?
– Você
parece um pouco alcoolizada, Tita. Está se sentindo bem?
– Sim,
obrigada.
– Você
já tem idade para tomar uma bebida em uma ocasião especial, mas,
diga-me, sua diabinha, sua mãe autorizou? Posso ver que você está
excitada, está tremendo, e, desculpe-me, mas devo dizer que é
melhor você não beber mais. Você não vai querer fazer papel de
boba.
Aquilo
foi a gota d’água! Paquita pensar que ela estava bêbada. Tita não
podia permitir que a menor suspeita se firmasse na mente de Paquita
ou ela contaria à sua mãe.
O
medo de Tita era suficiente para fazê-la esquecer Pedro por um
momento e empenhar-se em convencer Paquita, de qualquer maneira, de
que pensava com clareza e tinha a cabeça no lugar. Ela conversou com
Paquita, fez fofocas, falou sobre coisas sem importância. Até mesmo
lhe deu a receita do licor Noyo que supunha ter provocado tal efeito
nela. A bebida é feita colocando-se de molho, na água, 115 gramas
de pêssegos e 227 gramas de abricós, para tirar a pele; depois,
eles são descascados, amassados e colocados em uma infusão com água
quente por 15 dias. Então, a bebida é destilada. Após dissolver
completamente 70 gramas de açúcar em água, adicione 113 gramas de
água de flor de laranjeira. Essa mistura é mexida e coada. E para
que não houvesse dúvida alguma pairando acerca do bem-estar físico
e mental de Tita, como se fosse algo à parte, ela relembrou a
Paquita que as garrafas de água contêm 2,016 litros, nem menos e
nem mais.
Laura
Esquivel, in Como água para chocolate
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