segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Ainda seremos felizes?

Ando sentindo tudo aquilo quando vem a aeromoça e diz: atenção, passageiros, apertem os cintos, não fumem… e agora todos comigo: Pai nosso que estais no céu etc…. Enfim, perigos de todos os lados. Não é bossa, terrorismo não, é pura verdade, pelo menos no que se refere à minha pessoa. E a tal da oxítona e da paroxítona, ébola ou ebola, mas tanto faz meu Deus, o negócio é que ele mata mesmo. E o ministro da Saúde dizendo que não vai deixar o vírus entrar. Ah é? Como? Não vai dar passaporte pra ele? E a tal da Antha? Gente! É Aquilo, o tal do Apocalipse! E assassinatos, sequestros, bandidos tomando conta das cidades, e o petróleo… Cadê o presidente? Ficou mudo? E todo mundo andando normal, todo mundo pensando no amanhã e fazendo planinhos… Agora lembrei-me de uma frase no banheiro de uma universidade americana: “Por falta de interesse, fica cancelado o Amanhã”. A cada noite fico em pânico, a cada noite digo tchau negada, tô indo. É uma bela frase para dizer antes daquilo. Todo mundo entende, não é nada complicada. E os índios guaranis adolescentes que estão se matando? Eu ando cada vez mais complicada e isso de precisar escrever pra todo mundo entender me faz jumentosa e triste. Às vezes quero pôr um textinho meu e telefonam reclamando: ah, hoje não entendi nada, benzinho. E da França me perguntam se podem transcrever vinte laudas do meu “Qadós”! A revista é a Nouveau Recueil, número especial. Digo: claro! claro! E pagam? Ah, isso não, respondem, é muito complicado, só para raros! E continuo dura como todos nós. Em pânico, dura, só me faltam frieiras. Sarna já tenho. Ah, o que colocam de cachorrinhos judiados no meu portão! E a minha maravilhosa amiga Mara Thereza Lira que faz os maiores sacrifícios para salvar cavalos espancados, doentes! Ainda bem que nós existimos pra salvar os desgraçados animais do planeta! E tem gente que ainda fica com ódio da gente gostar de animais.
E o que há de cretinos e boçais pelo mundo afora é assustador! O que há de jingado alienado e acefalia também. O que há de maldade e grosseria. O que há de tara, de loucura, aquela babando verde, a outra, a estupidez, a bestialidade, a frivolidade… o que há de imbecis e escrotidão! E todo mundo malhando… coxas, bíceps, e boquitas e caras todas esticadas, bossa vento de proa… todos malhando… Agora o Becker: “(…) falar de um novo homem cujo ego se funda inteiramente no corpo é falar de uma criatura sub-humana”. Ativem seus neurônios, madamas! Alô, alô, serotonina? (informe-se). Alô, alô, luz no túnel? Afinal foi tiro ou bola de gude? Socorro! Blindados, é? Socorro!
Notinha de Eduardo Galeano — “Os grandes portos da América Latina, escalas de trânsito das riquezas extraídas do solo e subsolo com destino aos distantes centros de domínios, se consolidavam como instrumentos de conquista e dominação contra os países a que pertenciam, e eram os vertedouros por onde se dilapidava a riqueza nacional. Os portos e as capitais queriam se parecer com Paris ou Londres, mas à retaguarda havia o deserto”.
Isso, leitor, te lembra de alguma coisa?
Hilda Hilst, in Correio Popular, 28 de maio de 1995

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