Minha
vontade é a de colocar cada vez mais poesia neste meu espaço, para
encher de beleza e de justa ferocidade o coração do outro, do outro
que é você, leitor. Porque tudo o que me vem às mãos através dos
jornais, tudo o que me vem aos olhos através da televisão, tudo o
que me vem aos ouvidos através do rádio é tão pré-apocalipse,
tão pútrido, tão devastador que fico me perguntando: por que ainda
insistimos em colocar palavras nas páginas em branco?
Alguns amigos venezuelanos telefonam:
você anda tão amarga… tão triste… Pois bem, vejamos as
notícias recentes: no Rio (e dizem que ainda continua lindo)
esquadrões de extermínio são contratados (por quem?) para matar
sistematicamente prostitutas, débeis mentais, mendigos e supostos
ladrões, meninos e adolescentes. Ouvi esta notícia na CBN, de
madrugada. A miséria grassa adoidada, a crueldade também, os homens
políticos continuam com suas mesmices, um dizendo ingenuamente que
com uma só “penada” vai dar terra a todos, outro comendo buchada
de bode, mas arrotando “tripe à la mode” e um dia desses disse
que se saiu bem com a “dívida externa”, quando qualquer um bem
informado sabe que nunca nos sairemos bem com a nossa dívida
externa, porque (devo citar novamente os especialistas): “O FMI foi
criado para institucionalizar o predomínio financeiro de Wall Street
sobre o planeta inteiro quando, em fins da Segunda Guerra Mundial, o
dólar inaugurou sua hegemonia como moeda internacional. Nunca foi
infiel ao amo”.
A esperança para os países da América
Latina é e será sempre uma grande ilusão, porque “no mundo dos
grandes negócios” só pulhas e vilões é que se saem bem, e a
América Latina é e sempre será um grande negócio” para todos os
do “Primeiro Mundo”. Enquanto não forem feitas reformas
políticas e econômicas essenciais e, principalmente, leitor, um
ardente coração, um dilatar-se da alma do Homem, tudo ficará como
está. Podem me chamar de louca, de fantasista, de gling-glang, de
utopista, ingênua, chamem do que vocês quiserem, até de… Não
sei se vocês sabem, mas “Puta” foi uma grande deusa da mitologia
grega. Vem do verbo “putare”, que quer dizer podar, pôr em
ordem, pensar. Era a deusa que presidia à podadura. Só depois é
que a palavra degringolou na propriamente dita, e em “deputado”,
“putativo” etc. Se eu, de alguma forma com os meus textos, ando
ceifando vossas ilusões, é para fazer nascer em ti, leitor, o ato
de pensar. Não sou deusa, não. Sou apenas poeta. Mas o poeta é
aquele que é quase profeta:
Olhando o meu passeio
Há um louco sobre o muro
Balançando os pés.
Mostra-me o peito estufado de pelos
E tem entre as coxas um lixo de papeis:
— Procura Deus, senhora? Procura Deus?
E simétrico de zelos, balouçante
Dobra-se num salto e desnuda o traseiro.
Há um louco sobre o muro
Balançando os pés.
Mostra-me o peito estufado de pelos
E tem entre as coxas um lixo de papeis:
— Procura Deus, senhora? Procura Deus?
E simétrico de zelos, balouçante
Dobra-se num salto e desnuda o traseiro.
E há indivíduos e povos iludidos que
ainda acreditam que o traseiro do louco possa ser o retrato do
divino. “Voilà.” Ilusões de cegos e de moucos. Bom domingo,
fofos.
Hilda Hilst,
in Correio Popular, 25 de junho de
1994
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