Todo
mundo sabe como se define a palavra fábula: uma história curta de
onde se tira uma lição ou um preceito moral. Lembro-me de quando
era criança alguém alegando que aquela leitura seria importante
para a minha educação, dando-me para ler As fábulas de Esopo,
uma coleção de narrativas creditadas a um escravo contador de
histórias que viveu na Grécia Antiga, nos anos 620-560 a.C.
Como
disse um estudioso, a fábula é um conto de moralidade popular, uma
lição de inteligência, de justiça, de sagacidade, trazida até
nós desde a mais remota antiguidade.
Já
adulto, uma noite eu estava deitado no meu quarto, lendo, quando
notei que um corpo estranho deitara-se na minha cama. Era um inseto
escuro, de uns sessenta milímetros de comprimento. Gosto de todos os
animais, mas é claro que tenho minhas preferências; além dos
favoritos, cavalos e cães de grande porte, eu gosto muito de sapos e
lagartixas. Percebi que o meu visitante era uma cigarra. Durante o
verão eu as ouvia cantar na praça que fica perto da minha casa.
Para
não assustá-la, apaguei a luz da cabeceira. Eu durmo sem me mexer
muito na cama. A cigarra também. Foi uma noite tranquila.
Pela
manhã, ao acordar, a cigarra estava quieta, certamente estranhava
aquele ambiente. Eu vesti-me apressadamente, peguei a cigarra,
levei-a para a praça e coloquei-a numa árvore.
Quis
saber mais sobre o meu visitante. Aquele som lancinante é emitido
pelo macho procurando seduzir a fêmea para o acasalamento, é uma
súplica de amor que comove o coração de quem ouve.
Então,
lembrei-me da fábula de Esopo, “A cigarra e a formiga”.
Qual
é a lição, o preceito moral desta fábula? Que cantar é um crime
que merece ser punido? Que a alegria é um mal a ser combatido? Que o
desejo e o amor devem ser execrados?
Todo
animal, de certa forma, tem uma atividade predatória maior ou menor,
claro que ninguém chega a ser tão destruidor quanto o ser humano.
Mas entre a formiga e a cigarra, quem é pior? Algumas poucas
cigarras, cujas ninfas, ao se alimentarem da seiva das plantas,
causam danos à árvore, ou os milhões de formigas, que, organizadas
em verdadeiros exércitos apocalípticos, escondidas em buracos, saem
de maneira sorrateira sem nenhum tipo de desejo ou amor a não ser o
de roubar furtivamente plantações inteiras para estocar em seus
subterrâneos?
As
fábulas de Esopo são uma lição de astúcia, de inteligência,
de sagacidade, uma lição moral?
Podem
jogar essa merda no lixo. O meu exemplar eu já joguei.
Rubem
Fonseca, in Amálgama
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