Atacam
por aí o lugar-comum. Não sei por quê. Sendo comum, deve ser
conveniente ao público, e não valem contra ele as opiniões de
alguns cavalheiros que não são comuns.
Se
me dão licença, declaro que tenho predileção especial pelos
clichês. E a minha razão está aqui: é mais cômodo viajar em
automóvel por uma estrada de rodagem sem buracos que percorrer os
caminhos sertanejos cheios de surpresas de espinho rasga-beiço.
Comparando
mal (ou comparando bem, como quiserem), a literatura encrencada dos
homens de talento é como as veredas de minha terra: tem curvas
fechadas, rampas que escangalham um carro, tocos prejudiciais aos
pneumáticos, pedras, atoleiros, riachos, precipícios, areais e
ramos indiscretos que batem na cara da gente.
Tudo
isso é desagradável e produz abalos e interrupções frequentes na
viagem e na leitura.
Vejam
agora a rodovia bem conservada e a crônica literária de um cidadão
inofensivo. Ambas são planas, batidas, retas, extensas — e
resvalamos por elas facilmente, com velocidade de oitenta quilômetros
por hora, sem precisão de entendê-las. Quando muito, perguntamos ao
chauffeur ou ao conhecido que entra no café: “Quem foi que
fez isto?”
Com
efeito, nenhum viajante ou leitor, por muito exigente que seja,
sentiu nunca a necessidade de compreender uma estrada ou um artigo
campanudo.
E
precisamente pela sensação de preguiça que experimentamos lendo
frases bombásticas simpatizo com certos autores. Sem eles, jornais e
livros se tornariam depressa intoleráveis.
Imaginem
a maçada de estar um cristão a catar pensamentos em todas as linhas
que encontra. É trabalho penoso, porque há sujeitos que pensam bem,
mas não se exprimem com clareza, outros que se agarram a assuntos
terríveis e nos obrigam a olhar para cima e a procurar uma brecha
que não aparece. Quase sempre detestamos mistérios.
Por
isso lemos com imenso prazer os escritores que não dizem nada.
Excelentes criaturas. Têm boas intenções e portam-se decentemente.
Ora
vejam. Coberto de glória, o Sr. Graça Aranha resolve morrer, o que
é uma perda irreparável para a sua excelentíssima família e para
a Academia Brasileira de Letras.
Um
doutor que há vinte e tantos anos leu Canaã e entusiasmou-se, como
então era costume, lembra-se de compor o necrológio do ilustre
diplomata. Arma-se de gramáticas, dicionários e outros instrumentos
análogos, senta-se, bebe café, fuma cigarros e atira quatro colunas
em cima do finado. Pois essas quatro colunas, com pequenas
modificações no tipo, no título e em alguns adjetivos, servem
perfeitamente para defender o divórcio, para fazer declarações de
amor e para insultar a Rússia. Têm minas de ouro, cachoeiras,
florestas, a pátria, a bandeira, o céu, o mar, um grande número de
instituições consideráveis que a gente lê pensando na vida,
pensando no câmbio, ou não pensando em coisa nenhuma. É admirável.
Comparem
um capítulo do Sr. Oliveira Vianna sobre o Brasil colonial a um
desses artigos que por aí se publicam a respeito de Castro Alves ou
da prefeitura municipal de Porto de Pedras. A primeira tem
latifúndios, engenhos de banguê, nobreza rural, pecuária,
mineração e governadores gerais; o segundo tem tudo. Ou não tem
nada. É ótimo. Não nos perturba as ocupações ordinárias, pode
ler-se no banho, em cima duma bicicleta, ou junto a um tabuleiro de
xadrez. E adapta-se admiravelmente às nossas condições interiores.
Se estamos zangados, afirmamos que aquilo é insensatez; se estamos
de bom humor, achamos engraçado e útil como objeto de estudo. Os
católicos levantam os olhos para o céu e sorriem docemente:
“Pobrezinho, é um bem-aventurado”; os ateus rasgam o jornal e
gritam: “Ora, sebo!”
Apresento
uma sugestão aos homens inteligentes: deixem de escrever e entreguem
a pena aos imbecis.
Graciliano
Ramos, in Garranchos (Novidade, Maceió, nº 8, 30/05/1931, p. 7.)
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