domingo, 23 de dezembro de 2018

Apocalipse

Como eu adoraria que todas as pessoas ocupadas ou encarregadas de missões, homens e mulheres, jovens e velhos, sérios e levianos, felizes e tristes, abandonassem um belo dia suas necessidades, renunciando a todo dever ou obrigação, para sair na rua e dar fim a toda atividade! Estas pessoas estúpidas, que trabalham sem razão e se orgulham de contribuir para o bem da humanidade, labutando pelas gerações futuras sob o impulso da mais sinistra das ilusões, se vingariam então de toda a mediocridade de uma vida nula e estéril, deste absurdo desperdício de energia tão contrário a todo avanço espiritual. Como eu degustaria o instante em que mais ninguém se deixaria enganar por um ideal ou tentar por uma das satisfações que oferece a vida, em que toda resignação seria ilusória, em que as estruturas de uma vida normal explodiriam definitivamente! Todos aqueles que sofrem em silêncio, sem ousar exprimir sua amargura pelo menor suspiro, gritariam então num coro sinistro, cujos clamores terríveis fariam tremer a terra inteira. Que possam as águas romper e as montanhas abalar-se horrivelmente, as árvores exibir suas raízes como uma hedionda e eterna advertência, os pássaros crocitar como os corvos, os animais assustados vagar até o esgotamento. Que todos os ideais sejam declarados nulos; as crenças - ninharias; a arte - uma mentira, e a filosofia - uma gozação. Que tudo seja erupção e colapso. Que vastos pedaços arrancados do solo voem e sejam reduzidos a poeira; que as plantas componham no firmamento arabescos bizarros, contorções grotescas, figuras mutiladas e assustadoras. Possam os turbilhões de chamas elevar-se num ímpeto selvagem e invadir o mundo inteiro, para que mesmo o menor dos seres vivos saiba que o fim está próximo. Que toda forma se torne informe e que o caos engula numa vertigem universal tudo o que, neste mundo, possua estrutura e consistência. Que tudo seja uma demente colisão - estertor colossal, terror e explosão, seguidos de um silêncio eterno e de um esquecimento definitivo. Que nestes momentos finais os homens vivam numa tal temperatura que tudo quanto a humanidade nunca sentira em matéria de pesar, aspiração, amor, ódio e desespero estoure neles numa devastadora explosão. De tal insurreição, na qual ninguém mais encontraria sentido para a mediocridade do dever, em que a existência se desintegraria sob a pressão de suas contradições internas, o que restaria afora o triunfo do Nada e a apoteose do não-ser?
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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