quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Viver

Como já lhe disse, doutor, durante algum tempo Denise trabalhou como balconista de uma loja de sapatos, e eu era subgerente de um supermercado. Quando fui promovido a gerente e passei a ganhar bem, Denise parou de trabalhar, ela dizia que era cansativo ficar o dia inteiro de pé atendendo as freguesas, algumas antes de comprar experimentavam vários sapatos, a loja estava sempre cheia, sabe como é, doutor, mulher é louca por sapato, ela pode ter um só vestido, mas sapatos tem uns dez pares. Quando eu chegava em casa, Denise costumava estar de banho tomado e toda arrumada e perfumada, mas isso não durou muito tempo. Ela ficou, como já lhe disse… desmazelada, sem se cuidar, deixou de tomar banho todo dia. Eu dizia Denise vamos tomar banho, e ela respondia que estava cansada e continuava sentada no sofá, às vezes deitada. Sempre que eu chegava em casa ela estava no sofá, na maioria das vezes deitada, com um ar pensativo. Quando perguntei está pensando em quê, minha querida, ela respondeu, na vida. Alguém disse que tinha medo de viver, quem foi?, Denise perguntou. Respondi brincando, eu tenho medo de morrer. Eu não, disse Denise, viver é uma coisa assustadora. Quando ouvi isso eu fiquei apreensivo e vim conversar com o senhor e lhe contei esta história que estou repetindo. Segui o seu conselho, convenci Denise a voltar a trabalhar, como balconista da mesma sapataria. Depois de algum tempo trabalhando ela ficou boa. Tomamos banho juntos duas vezes ao dia, quando saímos para trabalhar e quando voltamos para casa. Muito obrigado, doutor, o senhor salvou a minha vida. A minha e a da Denise.
Rubem Fonseca, in Amálgama

Nenhum comentário:

Postar um comentário