Como
já lhe disse, doutor, durante algum tempo Denise trabalhou como
balconista de uma loja de sapatos, e eu era subgerente de um
supermercado. Quando fui promovido a gerente e passei a ganhar bem,
Denise parou de trabalhar, ela dizia que era cansativo ficar o dia
inteiro de pé atendendo as freguesas, algumas antes de comprar
experimentavam vários sapatos, a loja estava sempre cheia, sabe como
é, doutor, mulher é louca por sapato, ela pode ter um só vestido,
mas sapatos tem uns dez pares. Quando eu chegava em casa, Denise
costumava estar de banho tomado e toda arrumada e perfumada, mas isso
não durou muito tempo. Ela ficou, como já lhe disse… desmazelada,
sem se cuidar, deixou de tomar banho todo dia. Eu dizia Denise vamos
tomar banho, e ela respondia que estava cansada e continuava sentada
no sofá, às vezes deitada. Sempre que eu chegava em casa ela estava
no sofá, na maioria das vezes deitada, com um ar pensativo. Quando
perguntei está pensando em quê, minha querida, ela respondeu, na
vida. Alguém disse que tinha medo de viver, quem foi?, Denise
perguntou. Respondi brincando, eu tenho medo de morrer. Eu não,
disse Denise, viver é uma coisa assustadora. Quando ouvi isso eu
fiquei apreensivo e vim conversar com o senhor e lhe contei esta
história que estou repetindo. Segui o seu conselho, convenci Denise
a voltar a trabalhar, como balconista da mesma sapataria. Depois de
algum tempo trabalhando ela ficou boa. Tomamos banho juntos duas
vezes ao dia, quando saímos para trabalhar e quando voltamos para
casa. Muito obrigado, doutor, o senhor salvou a minha vida. A minha e
a da Denise.
Rubem
Fonseca, in Amálgama
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