A
primavera é linda, cheia de cores, cios e odores. Mas não me
comove. Não encontro nela lugar para a saudade. Por isso lhe falta
aquela gota de tristeza, que mora em toda obra de arte. É que ela
existe na paradisíaca inconsciência do fim... O verão é
diferente. Excita meu lado de fora, e me transforma em sol, céu,
mar. Misturo-me com seu universo luminoso, quente e suarento, cheio
de cachoeiras e limonadas geladas. Tudo me convida a não pensar. A
só rir, gozar, usufruir... Mas o outono me chama de volta.
Devolve-me à minha verdade. Sinto então a dor bonita da
nostalgia, pedaço de mim, de que não posso me esquecer... O céu,
azul profundo, as árvores e grama de um outro verde, misturados com
o dourado dos raios de sol inclinados. Tudo fica mais pungente ao
cair da tarde, pelo frio, pelo crepúsculo, o que revela o parentesco
entre o outono e o entardecer. O outono é o ano que entardece.
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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