Ignoro
que sentido possa ter, num espírito cético para o qual neste mundo
não haja nada que se resolva, o êxtase - o mais revelador e rico, o
mais complexo e perigoso -, o êxtase das fundações últimas da
vida. Este tipo de êxtase não nos concede nem certeza explícita,
nem um saber definido, mas o sentimento de uma participação
essencial é aí tão intenso que ele ultrapassa todos os limites e
categorias do conhecimento comum. É como se, neste mundo de
obstáculos, de miséria e de tortura, uma porta se abrisse sobre o
próprio cerne da existência e nós pudéssemos tirar da mais
simples, a mais essencial das visões e o mais magnífico dos enlevos
metafísicos. Creríamos então ver uma camada superficial feita de
existência e formas individuais fundir-se para nos conduzir às
regiões mais profundas. Seria o verdadeiro sentimento metafísico da
existência possível sem a eliminação desta camada superficial?
Somente uma existência purgada de seus elementos contingentes é de
natureza a permitir o acesso a uma zona essencial. O sentimento
metafísico da existência é de ordem extática e toda metafísica
mergulha suas raízes numa forma particular de êxtase. Erramos ao
admiti-la apenas numa variante religiosa. Existe, de fato, uma
multiplicidade de formas que, dependendo de uma configuração
espiritual específica ou de um temperamento, não conduzem
necessariamente à transcendência. Por que não existiria, então,
um êxtase da existência pura, de raízes imanentes à vida? Não
seria ele cumprido num aprofundamento que rasga o véu superficial
para permitir acesso ao cerne do mundo? Poder tocar as raízes deste
mundo, realizar a embriaguez suprema, a experiência do original e do
primordial, é provar um sentimento metafísico proveniente do êxtase
dos elementos essenciais do ser. O êxtase como exaltação da
imanência, da incandescência, da visão da loucura deste mundo -
eis uma base para a metafísica - válida mesmo para os últimos
instantes, para os momentos do fim... O verdadeiro êxtase é
perigoso - ele se parece com a última fase de iniciação dos
mistérios egípcios, onde a fórmula: "Osíris é uma divindade
negra" substituía o conhecimento explícito e definitivo. Em
outros termos, o absoluto permanece, enquanto tal, inacessível. Eu
só vejo no êxtase das raízes últimas uma forma de loucura, não
de conhecimento. Esta experiência somente é possível na solidão -
naquela que nos dá a impressão de planar sobre o mundo. Ou... A
solidão acaso não oferece condições propícias à loucura? Não é
característico que a loucura possa se produzir no mais cético dos
indivíduos? Não é verdade que a loucura do êxtase se revela
plenamente por meio da presença da mais estranha das certezas e da
visão mais essencial - ambas sobre um fundo de dúvida e desespero?
Ninguém
saberia, em verdade, conhecer o estado de êxtase sem a experiência
prévia do desespero, pois um e outro comportam purificações que,
ainda que diferentes pelo conteúdo, são de igual importância.
As
raízes da metafísica são todas tão complicadas quanto as da
própria existência.
Emil
Cioran, in Nos cumes do desespero
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