Gosto
do apartamento em que vivo. Décimo primeiro andar. A vista é muito
bonita, vê-se ao longe... Quando o vento é forte, ele assobia de
forma sinistra e musical. Quase lhe pus o nome de Morada dos Ventos
Uivantes.
Já
morei num outro: oitavo andar. Fiz um microjardim na varanda.
Assentado na sala, enquanto ouvia música, via o jardim, a cidade, a
chuva e sentia o prazer do vento na minha pele. Mas tinha uma
tristeza. Os passarinhos não me visitavam. Tentei. Pus comida para
eles. Inutilmente. Guimarães Rosa diz que há dois tipos de altura:
altura de urubu ir, e altura de urubu não ir. Quem sabe só urubu
tinha coragem de subir até a altura do oitavo andar...
O
Carlos Rodrigues Brandão me deu um livro, faz tempo, que ainda não
li. O título é: A linguagem dos pássaros. Nunca levei o dito a
sério porque era minha firme convicção que passarinho não tem
linguagem. Pois mudei de ideia. Eles não só falam como também leem
os jornais. Tive prova disso, prova que não se pode contestar. Eu me
queixei, numa de minhas crônicas, da ausência dos pássaros no meu
apartamento, a despeito do jardim na varanda. Aventei a hipótese de
que é porque eu morava no oitavo andar, talvez fosse altura demais.
Meu apartamento estava em altura de só urubu ir. Fiquei triste.
Lamentei-me disso no jornal. Na segunda-feira, ao chegar em casa do
trabalho no final do dia, lá estava, na sala, atendendo à minha
queixa, um beija-flor empoleirado no lustre. O bichinho se assustou.
Como se sabe, os homens são os seres que perderam a confiança dos
pássaros. Ele se pôs a voar de um lado para outro, desorientado,
sem saber onde estava a saída. Tentei pegá-lo. Inutilmente. Aí ele
se refugiou no banheiro. Fechei a porta, subi numa cadeira e
finalmente o segurei com palavras tranquilizantes. Ele não acreditou
e até deixou várias penas na minha mão. Desci da cadeira, fui até
a varanda e o soltei. Ele partiu como uma flecha. Ah! Como me senti
feliz! Pois, no dia seguinte, a coisa se repetiu: não com o
beija-flor, mas com uma curruíra. Ela não entrou no apartamento,
mas ficou saltitando no jardim. Peguei as peninhas do beija-flor,
azuis, amarrei-as com um fio e as pendurei no bambu do jardim, como
mensagem de paz. Quero que os pássaros confiem em mim. Vocês não
concordam comigo que o fato de um beija-flor e uma curruíra terem me
visitado no meu apartamento é prova cabal de que leem jornal? Por
que é que foram aparecer justo no dia seguinte à minha queixa? E
fiquei feliz por saber que eles leem o que eu escrevo…
Rubem
Alves, in Pimentas: para
provocar um incêndio, não é preciso fogo
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