O
que importa que eu me atormente, que eu sofra ou que eu pense? Minha
presença no mundo não fará nada mais que abalar, para meu grande
pesar, algumas existências tranquilas e atrapalhar - para meu pesar
ainda maior - a suave inconsciência de algumas outras. Ainda que eu
sinta minha própria tragédia como a mais grave da história - mais
grave mesmo do que a queda de impérios ou não sei que
desmoronamento no fundo de uma mina - eu tenho o sentimento implícito
da minha nulidade e da minha insignificância. Ainda que persuadido
de não ser nada no universo, eu sinto que minha existência é a
única real. E digo mais, se eu devesse escolher entre a existência
do mundo e a minha própria, eliminaria de boa vontade a primeira com
todas as suas luzes e leis para que pudesse planar solitário no
vazio. Ainda que a vida me seja um suplício, eu não pude
renunciá-la, pois não creio que sejam absolutos os valores em nome
dos quais me sacrificaria. Para ser sincero, eu deveria dizer que não
sei por que vivo, nem por que não paro de viver. A chave está,
provavelmente, na irracionalidade da vida, que faz com que ela se
mantenha sem razão. E se houvessem somente razões absurdas para se
viver? O mundo não merece que a gente se sacrifique por uma ideia ou
uma crença. Nós somos mais felizes hoje porque outros o fizeram
para nosso bem? Que bem? Se alguém sacrificou-se verdadeiramente
para que eu fosse mais feliz no presente, eu sou, na verdade, mais
infeliz do que ele, pois não concordo em fundar minha existência
sobre um cemitério. Há momentos em que eu me sinto responsável por
toda a miséria da história, momentos em que não compreendo por que
alguns versaram seu sangue por nós. A ironia suprema consistiria em
perceber que estes foram mais felizes do que nós somos hoje. Maldita
seja a história! Nada mais deveria interessar-me; o problema da
própria morte pareceria-me ridículo; o sofrimento - estéril e
limitado; o entusiasmo - impuro; a vida - racional; a dialética da
vida - lógica e não mais demoníaca; o desespero - menor e parcial;
a eternidade - uma palavra oca; a experiência do nada - uma ilusão;
a fatalidade - uma piada... Pensando seriamente, para que serve isso
tudo? Por que colocar-se questões, tentar esclarecer ou aceitar as
sombras? Não seria melhor enterrar minhas lágrimas na areia às
margens do mar, numa solidão absoluta? Mas eu nunca chorei, pois as
lágrimas transformaram-se em pensamentos tão amargos quanto as
próprias lágrimas.
Emil
Cioran, in Nos cumes do desespero
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