domingo, 7 de outubro de 2018

Lula

Atravessando lentamente as pradarias de brit, o Pequod ainda seguia a sua viagem a nordeste, rumo à ilha de Java; uma brisa suave impelindo a quilha, de tal modo que na serenidade circundante seus três mastros altos e afilados balançassem brandamente, como três brandas palmeiras numa planície. E, com longos intervalos na noite prateada, o jato solitário e encantador ainda se avistava.
Mas numa manhã azul e transparente, quando uma tranquilidade quase sobrenatural se espalhava por sobre o mar, embora desacompanhada de uma estanque calmaria; quando a clareira longamente polida do sol sobre as águas parecia um dedo de ouro, impondo-lhes algum segredo; quando as ondas de chinelos sussurravam juntas enquanto corriam suavemente; neste profundo sossego da esfera visível, um estranho espectro foi visto por Daggoo do topo do mastro principal.
Na distância, um grande vulto branco ergueu-se preguiçosamente, e erguendo-se cada vez mais, e destacando-se do azul, enfim cintilou diante da nossa proa como um trenó, que viesse descendo a neve da colina. Assim faiscante por um momento, também lentamente baixou, e submergiu. Então mais uma vez ergueu-se, e cintilou em silêncio. Não parecia uma baleia; mas será que é Moby Dick?, pensou Daggoo. Novamente desceu o fantasma, mas ao reaparecer mais uma vez, com uma voz cortante como um punhal que despertou todos os marinheiros de seu cochilo, o negro berrou – “Ali! Outra vez ali! Ali ela salta! Bem em frente! A Baleia Branca, a Baleia Branca!”.
Com isso, os homens do mar correram para os lais das vergas, como na hora do enxame as abelhas buscam os galhos. Com a cabeça descoberta ao sol ardente, Ahab ficou no gurupés, e com uma das mãos bem estendida para trás, pronta para dar ordens ao timoneiro, lançou seu olhar ansioso na direção indicada no alto pelo braço imóvel de Daggoo.
Quer tenha sido a fugaz aparição do jato solitário o que gradualmente agira sobre Ahab, de modo que agora estava preparado para associar as noções de brandura e repouso com a primeira visão da baleia específica que perseguia; mesmo que fosse isso, ou que sua ansiedade o tivesse traído; de qualquer modo que tenha sido, bastou-lhe distintamente perceber o vulto branco para, com instantânea intensidade dar as ordens de descer os botes.
Os quatro botes logo estavam no mar; o de Ahab na frente, e todos tenazes remando em direção à presa. Logo esta mergulhou e, enquanto, com os remos suspensos, esperávamos que reaparecesse, oh, no mesmo ponto em que afundara, lentamente ressurgiu. Quase esquecendo por ora os pensamentos sobre Moby Dick, então contemplamos o mais maravilhoso fenômeno que os mares secretos já revelaram até ali aos homens. Um imenso vulto carnudo, com centenas de metros de comprimento e de largura, de reluzente coloração leitosa, flutuava na água, com inúmeros tentáculos compridos irradiando do centro, e se enrolavam e contorciam feito um ninho de anacondas, como que cegamente dispostos a apanhar algum desgraçado objeto ao seu alcance. Não tinha rosto ou face perceptível; nenhum indício concebível de sensação ou instinto; mas ondulava ali sobre as ondas, uma aparição sobrenatural, amorfa e fortuita da vida.
Quando aquilo, com um som baixo e aspirado, desapareceu novamente, Starbuck, ainda fitando as águas agitadas onde aquilo mergulhara, com voz enfurecida exclamou – “Quase preferiria ter visto e lutado contra Moby Dick, a ter visto a ti, fantasma branco!”.
O que foi aquilo, senhor?”, disse Flask.
A grande lula viva, a qual, dizem, poucos navios baleeiros viram e voltaram aos seus portos para contar.”
Mas Ahab não disse nada; virou o seu bote e voltou ao navio; os demais, também mudos, seguiram-no.
Quaisquer que fossem as superstições dos pescadores de Cachalotes quanto à visão desse objeto, é certo que, sendo raríssimo o seu vislumbre, tal circunstância foi o bastante para investir o encontro de maus presságios. Tão raramente é contemplada, que, embora muitos declarem ser a maior criatura animada do oceano, pouquíssimos têm uma vaga ideia de sua verdadeira natureza e forma; não obstante, acreditam que fornece ao Cachalote o seu único alimento. Pois embora outras espécies de baleias encontrem seu alimento na superfície da água, e possam ser vistas pelo homem no ato de se alimentar, o espermacete se alimenta em zonas desconhecidas, abaixo da superfície; e apenas por inferência é que alguém pode dizer em quê, precisamente, consiste tal alimento. Às vezes, quando seguido de muito perto, ele expele o que se supõe sejam tentáculos da lula; algumas delas assim expostas ultrapassam vinte ou trinta pés de comprimento. Pensavam que o monstro ao qual os tentáculos pertencem ficasse sempre preso por eles ao leito do oceano; e que o Cachalote, ao contrário das outras espécies, dispusesse de dentes para atacá-lo e destroçá-lo.
Parece que há algum fundamento para imaginar que o grande Kraken, do bispo Pontoppidan, possa ser ao fim e ao cabo a própria Lula. O modo pelo qual o bispo o descreve, alternadamente emergindo e afundando, com alguns outros particulares que ele narra, tudo isso faz com que os dois se assemelhem. Mas é preciso dar um desconto em relação ao volume incrível que ele lhe atribui.
Alguns naturalistas que ouviram rumores esparsos sobre a misteriosa criatura, de que falamos aqui, colocam-na na classe da siba, à qual, de fato, pareceria pertencer em alguns aspectos externos, mas apenas como o Enaque da tribo.
Herman Melville, in Moby Dick

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