quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Garranchos - X

Vem de novo à baila a velha questão do abastecimento d’água à cidade. O povo já discute as cláusulas de que se comporá o contrato e, com a febre que sói acompanhar o assunto, já meia dúzia de homens andou fazendo sondagens, “Cafurna” em fora, escalando acidentados terrenos, até às águas serenas que fertilizam a terra serrana do “Amaro”.
Tu, leitor, com certeza estás contentíssimo com o veres em foco uma questão que de perto te interessa.
Entretanto, eu, em vez de ficar alegre como tu, entristeço sempre que se me fala em tal assunto... Nem imaginas o mal que nos vem trazer esse melhoramento que se discute com tanto calor, apesar de ser uma coisa tão fria o que ele nos traz.
Pensas então, leitor amigo, que beberemos da água e nos banharemos nela, andando de bolsos escassos como andamos?
Qual nada! Aquilo é coisa que só virá servir aos ricos. Bem entendido, no caso imaginário de vir, o que é tão fácil como transportar-se para o lado oposto aquela serra ali defronte, embora o mestre Jovino me dissesse que, no tempo em que estudava certa ciência, era capaz de fazê-lo, com a fé que lhe povoava a cabeça, que anda cheia hoje em dia de notas de música e de águas sulfurosas...
Ora, se o líquido em questão, transportado em velhas e ferrugentas latas, nas costas de bons animais, lentos e orelhudos, que andam a trote as estradas, ruminando a sua filosofia, já ninguém o bebe, tão alto é o preço, imagine-se o que será quando vier entre as paredes redondas de canos americanamente caros! Aí sim! Teremos de comprar água de acordo com o câmbio...
E sendo propriedade de empresa... Empresa! Só por si esta palavra apavora! E cá sabemos por que... Por isso vamos fazer promessas para que se deixem as fontes em paz, se é que não queremos morrer de sede…
Graciliano Ramos, in O Índio. Palmeira dos Índios, ano 1, nº 10, 3/04/ 1921

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