A
senhora estendeu a mão com o dinheiro da passagem. O trocador fez
cara enjoada:
— Não
tem nota de mil?
— Como?
— A
senhora não tem aí uma nota de mil cruzeiros? Nem de quinhentos?
— Mas
por que eu vou lhe dar uma nota de quinhentos ou de mil cruzeiros, se
tenho o dinheiro certo da passagem?
— Para
trocar.
— Muito
agradecida. Não estou precisando de troco.
— Hoje
só dá acertado. Assim é impossível!
Um
passageiro entrou na conversa:
— Não
entendi bem o que o senhor disse a esta senhora. Quer repetir?
— Eu
disse que hoje só dá acertado, e é mesmo.
— Acertado
o quê?
O
trocador encarou-o, penalizado com sua ignorância:
— O
dinheiro certo da passagem, né.
— Cada
vez entendo menos. Então o senhor prefere não receber o dinheiro
certo da passagem?
— Prefiro.
— Engraçado.
Os senhores vivem pedindo aos passageiros que facilitem o troco,
porque não têm notas de vinte, de dez e de cinco cruzeiros para dar
de volta, e quando a gente satisfaz o pedido, muitas vezes tirando
até o dinheiro do cofre dos garotos, vêm os senhores e dizem que
assim não é possível! O que não é possível é os senhores
acharem que não é possível!
O
trocador, mudo. Intervém outro passageiro:
— O
senhor está coberto de razão. Ele tem que aceitar o dinheiro
trocado dessa senhora.
— Eu
aceitei — explica o trocador.
— Aceitou,
reclamando.
— Aceita!
Aceita! — gritaram alguns em pé, na parte traseira do ônibus.
— Calma.
Ele já aceitou — disse o primeiro homem. — Agora vamos pedir a
ele que explique por que não queria aceitar. Temos o direito de
saber a verdade.
— Verdade!
Verdade! — clamou o coro.
— Pode-se
saber por que motivo o senhor quer exigir dos passageiros o absurdo
de dificultar o troco?
Intimidado,
o trocador não sabia como responder.
— Vamos,
explique.
— Explica!
Explica! — desafinou o coro.
— Mais
uma vez peço calma — disse o inquiridor, já compenetrado das
responsabilidades da função que se atribuíra. — Estamos diante
de um caso original, talvez, até certo ponto, de um fenômeno: o
indivíduo que prefere ter mais trabalho, mais incômodo na vida.
Pode ser até que se trate de alguém cujas células cerebrais
funcionem de maneira diferente. Vamos lá, rapaz, explique por que
motivo você prefere prejudicar a si mesmo, ao público e à empresa.
— Ah,
isso não. À empresa não — atalhou depressa o trocador. — Eu
estou é ajudando a empresa. Vou explicar ao senhor. De manhã saí
da garagem com um monte de notinhas de vinte, dez e cinco cruzeiros.
O chefe me disse: “O gerente quer ficar livre desse dinheiro mixo,
vem aí o cruzeiro novo e ninguém mais quer saber de notinha, de
centavo! José, manda brasa!”. O senhor quer ver? A gavetinha está
atochada, essa lata também, o saco debaixo de meus pés também, e
eu estou sentado num pacote de notinhas miúdas, espia só! — e
levantou-se para mostrar.
Carlos
Drummond de Andrade, in 70 historinhas
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