quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Por umas laranjas

Lembro do Modelo-T. Do banco elevado, os frisos laterais pareciam amigáveis, e nos dias frios, pelas manhãs, e também várias outras vezes, meu pai era obrigado a encaixar a manivela no motor da frente e girá-la incessantemente até fazer o carro pegar.
Um homem pode quebrar o braço fazendo isso. A resposta da manivela é como um coice de cavalo.
Aos domingos, se minha avó não nos visitava, saíamos para passear no Modelo-T. Meus pais gostavam dos laranjais, quilômetros e quilômetros de laranjais, floridos ou carregados de frutas. Meus pais tinham uma cesta de piquenique e uma caixa de metal. Nesta, levavam garrafas de suco refrigeradas em gelo seco. Naquela, salsicha Frankfurt e liverwurst e sanduíches de salame, batatas fritas, bananas e soda. A garrafa de soda era mudada continuamente da caixa para a cesta de piquenique e vice-versa. Ela congelava rápido demais e então precisava ser degelada.
Meu pai fumava cigarros Camel e sabia fazer com os maços de cigarro muitos truques e jogos, que nos mostrava. Quantas pirâmides tem aqui? Contem. Nós as contávamos e então ele nos mostrava um número maior.
Havia também truques sobre as corcovas e os camelos e sobre as palavras escritas nos maços. Os cigarros Camel eram mágicos.
Há um domingo em especial de que me recordo. A cesta de piquenique estava vazia. Ainda assim, continuávamos cruzando os laranjais, cada vez mais longe do lugar em que vivíamos.
Paizinho – perguntou minha mãe –, não vamos ficar sem gasolina?
Não, há o suficiente da maldita gasolina.
Onde estamos indo?
Estou indo arranjar umas malditas laranjas pra mim! Minha mãe ficou estática em seu banco enquanto avançávamos pelo caminho. Meu pai dirigiu o carro para o acostamento, estacionou-o perto de uma cerca de arame farpado e ficamos ali sentados, atentos. Então ele deu um chute na porta e saiu.
Tragam a cesta.
Todos nós passamos por entre os arames da cerca.
Sigam-me – disse meu pai.
Logo nos encontrávamos entre duas fileiras de pés de laranja, protegidos do sol pelos galhos e pelas folhas deles. Meu pai se deteve e começou a arrancar as frutas dos galhos mais baixos da árvore mais próxima. Parecia irritado, arrancando as laranjas, e os galhos pareciam irritados, chacoalhando para cima e para baixo. Ele jogava as frutas para dentro da cesta que minha mãe segurava. Às vezes ele errava, e eu catava as laranjas do chão e as colocava dentro da cesta. Meu pai seguia de árvore em árvore, colhendo as frutas dos galhos inferiores, jogando-as para dentro da cesta.
Paizinho, já temos o suficiente – disse minha mãe.
Uma ova!
E seguia colhendo.
Então um homem se aproximou, um sujeito muito alto. Trazia um rifle nas mãos.
Tudo bem, cara, o que você pensa que está fazendo?
Colhendo laranjas. Os pés estão carregados.
Essas laranjas são minhas! Agora escute: diga para sua mulher esvaziar a cesta.
Ora, o lugar está cheio dessas malditas laranjas. Você não vai sentir falta de uma meia dúzia...
Não vou sentir falta de nenhuma. Diga para sua mulher esvaziar a cesta.
O homem apontou seu rifle para meu pai.
Esvazie – meu pai disse para minha mãe.
As laranjas rolaram pelo chão.
Agora – disse o homem – deem o fora do meu pomar.
Você não precisa de todas essas laranjas.
Não venha me dizer do que preciso. Deem o fora daqui! Agora!
Caras como você deviam ser enforcados!
A lei aqui sou eu. Circulando!
O homem ergueu novamente o rifle. Meu pai deu meia-volta e começou a se afastar das laranjeiras. Nós o seguimos, acompanhados de perto pelo homem. Entramos no carro, mas este era um daqueles momentos em que a máquina não queria pegar. Meu pai desceu para girar a manivela. Depois de dois giros, o motor continuava apagado. Meu pai começou a suar. O homem ficou junto ao acostamento.
Faça essa maldita lata-velha funcionar! – ele disse.
Meu pai se preparou para tentar mais um giro da manivela.
Não estamos na sua propriedade! Podemos ficar aqui o tempo que quisermos!
Uma ova! Tire essa coisa daqui, e depressa!
Meu pai tentou mais uma vez. O motor começou a funcionar, mas logo morreu. Minha mãe se sentou com a cesta de piquenique vazia no colo. Eu tinha medo de olhar para o homem. Meu pai girou outra vez a manivela, e o motor pegou. Saltou para dentro do carro e começou a puxar as alavancas junto ao volante.
Não volte mais aqui – disse o homem – ou da próxima vez não se safará tão fácil.
Meu pai partiu com o Modelo-T. O homem continuava plantado junto à estrada. Meu pai dirigia em alta velocidade. Em seguida, diminuiu a velocidade do carro e fez um retorno. Dirigiu até o local onde o homem havia ficado. Já não estava lá. Aceleramos pelo caminho de volta, nos afastando dos laranjais.
Dia desses, volto e pego esse canalha – disse meu pai.
Paizinho, teremos um jantar maravilhoso essa noite. Que prato você vai querer? – perguntou minha mãe.
Costelas de porco – respondeu.
Eu nunca tinha visto ele guiar o carro tão rápido.
Charles Bukowski, in Misto-Quente

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