quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Para sempre

Quando começaste a ler os rótulos das caixas de armas não eram as letras que tu mais aprendias. O ensinamento era outro: as palavras podem ser o arco que liga a Morte e a Vida. É por isso que te escrevo. Não há morte, nesta carta. Mas há uma despedida que é um pequeno modo de morrer. Lembras-te como dizia Zacaria? “Tive as minhas mortes, felizmente, todas elas passageiras.” A minha única morte foi a de Marcelo. Essa, sim, foi o primeiro desfecho definitivo. Não sei se Marcelo foi o amor da minha vida. Mas foi uma vida inteira de amor. Quem ama, ama para sempre. Nunca faças nada para sempre. Exceto amar.
Contudo, não é para falar de mim que te escrevo. Mas de tua mãe Dordalma. Falei com Aproximado, com Zacaria, com Noci, com os vizinhos. Todos me contaram pedaços de uma história. É meu dever devolver-te esse passado que te foi roubado. Dizem que a história de uma vida se esgota no relato da sua morte. Esta é a história dos dias finais de Dordalma. De como ela perdeu a vida, depois de se ter perdido da vida.
Mia Couto, in Antes de nascer o mundo

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