Quando
começaste a ler os rótulos das caixas de armas não eram as letras
que tu mais aprendias. O ensinamento era outro: as palavras podem ser
o arco que liga a Morte e a Vida. É por isso que te escrevo. Não há
morte, nesta carta. Mas há uma despedida que é um pequeno modo de
morrer. Lembras-te como dizia Zacaria? “Tive as minhas mortes,
felizmente, todas elas passageiras.” A minha única morte foi a de
Marcelo. Essa, sim, foi o primeiro desfecho definitivo. Não sei se
Marcelo foi o amor da minha vida. Mas foi uma vida inteira de amor.
Quem ama, ama para sempre. Nunca faças nada para sempre. Exceto
amar.
Contudo,
não é para falar de mim que te escrevo. Mas de tua mãe Dordalma.
Falei com Aproximado, com Zacaria, com Noci, com os vizinhos. Todos
me contaram pedaços de uma história. É meu dever devolver-te esse
passado que te foi roubado. Dizem que a história de uma vida se
esgota no relato da sua morte. Esta é a história dos dias finais de
Dordalma. De como ela perdeu a vida, depois de se ter perdido da
vida.
Mia
Couto,
in Antes de nascer o mundo
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