O
que me contaram não foi nada disso. A mim, contaram-me o seguinte:
que um grupo de bons e velhos sábios, de mãos enferrujadas, rostos
cheios de rugas e pequenos olhos sorridentes, começaram a reunir-se
de todas as noites para olhar a Lua, pois andavam dizendo que nos
últimos cinco séculos sua palidez tinha aumentado
consideravelmente. E de tanto olharem através de seus telescópios,
os bons e velhos sábios foram assumindo um ar preocupado e seus
olhos já não sorriam mais; puseram-se, antes, melancólicos. E
contaram-me ainda que não era incomum vê-los, peripatéticos, a
conversar em voz baixa enquanto balançavam gravemente a cabeça.
É
que os bons e velhos sábios haviam constatado que a Lua estava não
só muito pálida, como envolta num permanente halo de tristeza. E
que mirava o Mundo com olhos de um tal langor e dava tão fundos
suspiros - ela que por milênios mantivera a mais virginal reserva -
que não havia como duvidar: a Lua estava pura e simplesmente
apaixonada. Sua crescente palidez, aliada a uma minguante serenidade
e compostura no seu noturno nicho, induzia uma só conclusão:
tratava-se de uma Lua nova, de uma Lua cheia de amor, de uma Lua que
precisava dar. E a Lua queria dar-se justamente àquele de quem era a
única escrava e que, com desdenhosa gravidade, mantinha-a confinada
em seu espaço próprio, usufruindo apenas de sua luz e dando azo a
que ela fosse motivo constante de poemas e canções de seus
menestréis, e até mesmo de ditos e graças de seus bufões, para
distraí-lo em suas periódicas hipocondrias de madurez.
Pois
não é que ao descobrirem que era o Mundo a causa do sofrimento da
Lua, puseram-se os bons velhos sábios a dar gritos de júbilo e a
esfregar as mãos, piscando-se os olhos e dizendo-se chistes que, com
toda franqueza, não ficam nada bem em homens de saber... Mas o que
se há de fazer? Frequentemente, a velhice, mesmo sábia, não tem
nenhuma noção do ridículo nos momentos de alegria, podendo mesmo
chegar a dançar rodas e sarabandas, numa curiosa volta à infância.
Por isso perdoemos aos bons e velhos sábios, que se assim faziam é
porque tinham descoberto os males da Lua, que eram males de amor. E
males de amor curam-se com o próprio amor - eis o axioma científico
a que chegaram os eruditos anciãos, e que escreveram no final de um
longo pergaminho crivado de números e equações, no qual fora
estudado o problema da crescente palidez da Lua.
Virgens
apaixonadas, disseram-se eles, precisam casar-se urgentemente com o
objeto de sua paixão. Mas, disseram-se eles ainda, o que pensaria
disso o desdenhoso Mundo, preocupado com as suas habituais
conquistas? O problema era dos mais delicados, pois não se inculca
tão facilmente, em seres soberanos, a ideia de desposarem suas
escravas. Todavia, como havia precedentes, a única coisa a fazer era
tentar. Do contrário operar-se-ia uma partenogênese na Lua, o que
seria em extremo humilhante e sem graça para ela. Não.
Proceder-se-ia a uma inseminação artificial e, uma vez o fato
consumado, por força haveria de se abrandar o coração do Mundo.
E
assim se fez. Durante meses estudaram os homens de saber, entre seus
cadinhos e retortas, e com grande gasto de papel e tinta, o projeto
de um lindo corpúsculo seminal que pudesse fecundar a Lua. Um belo
dia ei-lo que fica pronto, para gáudio dos bons e velhos sábios,
que o festejaram profusamente com danças e bebidas tendo havido
mesmo alguns que, de tão incontinentes, deixaram-se a dormir no chão
de seus laboratórios, a roncar como pagãos. Chamaram-no Lunik, como
devia ser. E uma noite, em que o Mundo agitado pôs-se a sonhar
sonhos eróticos, subitamente partiu ele, o lindo corpúsculo
seminal, sequioso e certeiro em direção à Lua, que, em sua emoção
pré-nupcial, mostrava com um despudor desconhecido nela as manchas
mais capitosas de seu branco corpo à espera. Foi preciso que o
Vento, seu antigo guardião, escandalizado, se pusesse a soprar
nuvens por todos os lados, com toda a força de suas bochechas, para
encobrir o firmamento com véus de bruma, de modo a ocultar a volúpia
da Lua expectante, a altear os quartos nas mais provocadoras
posições.
Hoje,
fecundada, ela voltou finalmente ao céu, serena e radiosa como nunca
a vira dantes. Pela expressão com que me olhou, penso que já está
grávida. Ou muito me engano, ou amanhã deve estar cheia.
Vinicius
de Moraes, in Prosa
Nenhum comentário:
Postar um comentário