“Mercado nervoso deixa operador
neurótico.”
Cotidiano, 24 jul. 1997
O operador da Bolsa chegou agitadíssimo
ao consultório do psicanalista. Sem sequer tirar o casaco ou
afrouxar a gravata, atirou-se no divã e foi logo dizendo que não
aguentava mais a tensão, que a Bolsa de Valores acabaria por
matá-lo, que só naquele dia tinha tomado três tipos de
tranquilizantes; insuportável, a instabilidade, os boatos, os sobe e
desce.
O psicanalista ouviu-o, em silêncio. Por
fim, numa voz neutra, com palavras cautelosamente escolhidas, deu a
sua interpretação. Estou me perguntando, disse, o que pode
significar a Bolsa de Valores para você. Até agora, as cotações
subiam, era uma bonança. Você sentia-se tranquilo, como a criança
no útero materno – a Bolsa de Valores representava para você a
bolsa das águas. Você tinha ali todas as suas necessidades
atendidas. Os rendimentos eram como os nutrientes que o bebê recebe,
sem pedir, da mãe que a natureza lhe deu. Mas aí as cotações
começaram a oscilar; e o que são esses picos agudos, agressivos,
senão um símbolo fálico? O útero materno é bruscamente
substituído pelo falo paterno. O seu complexo de Édipo é
mobilizado, você entra em ansiedade aguda e corre para o divã.
Deitado, olhos fixos no teto, o operador
ouvia atentamente. E dava-se conta de que já se sentia melhor, que
aquela razoável explicação tinha lançado luz sobre algo que para
ele sempre fora mistério. E já ia dizer isso, que estava se
sentindo muito melhor, quando de repente ouviu um soluço. Voltou-se,
e ali estava o terapeuta em lágrimas. Desculpe, ele disse, mas,
ouvindo o seu relato, lembrei que tenho todas as minhas economias
aplicadas na Bolsa e que acabo de perder um dinheirão.
Consternado, o operador tentou
consolá-lo. Como o próprio terapeuta tinha dito, a Bolsa nada mais
é do que um equivalente da bolsa das águas em que o feto repousa
sem ser incomodado e que os picos agudos nas cotações representam
apenas símbolos fálicos.
Mas o psicanalista não queria
interpretações. Queria o seu dinheiro de volta. E como isso não
era possível, avisou, teria de aumentar o preço do tratamento. O
que o paciente aceitou, resignado. Oscilações, sobretudo para cima,
fazem parte da Bolsa da vida. Ao fim e ao cabo, trata-se apenas de
símbolos fálicos.
Moacyr Scliar, in O Imaginário
Cotidiano
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