sábado, 1 de setembro de 2018

Nervosismo


Mercado nervoso deixa operador neurótico.”
Cotidiano, 24 jul. 1997

O operador da Bolsa chegou agitadíssimo ao consultório do psicanalista. Sem sequer tirar o casaco ou afrouxar a gravata, atirou-se no divã e foi logo dizendo que não aguentava mais a tensão, que a Bolsa de Valores acabaria por matá-lo, que só naquele dia tinha tomado três tipos de tranquilizantes; insuportável, a instabilidade, os boatos, os sobe e desce.
O psicanalista ouviu-o, em silêncio. Por fim, numa voz neutra, com palavras cautelosamente escolhidas, deu a sua interpretação. Estou me perguntando, disse, o que pode significar a Bolsa de Valores para você. Até agora, as cotações subiam, era uma bonança. Você sentia-se tranquilo, como a criança no útero materno – a Bolsa de Valores representava para você a bolsa das águas. Você tinha ali todas as suas necessidades atendidas. Os rendimentos eram como os nutrientes que o bebê recebe, sem pedir, da mãe que a natureza lhe deu. Mas aí as cotações começaram a oscilar; e o que são esses picos agudos, agressivos, senão um símbolo fálico? O útero materno é bruscamente substituído pelo falo paterno. O seu complexo de Édipo é mobilizado, você entra em ansiedade aguda e corre para o divã.
Deitado, olhos fixos no teto, o operador ouvia atentamente. E dava-se conta de que já se sentia melhor, que aquela razoável explicação tinha lançado luz sobre algo que para ele sempre fora mistério. E já ia dizer isso, que estava se sentindo muito melhor, quando de repente ouviu um soluço. Voltou-se, e ali estava o terapeuta em lágrimas. Desculpe, ele disse, mas, ouvindo o seu relato, lembrei que tenho todas as minhas economias aplicadas na Bolsa e que acabo de perder um dinheirão.
Consternado, o operador tentou consolá-lo. Como o próprio terapeuta tinha dito, a Bolsa nada mais é do que um equivalente da bolsa das águas em que o feto repousa sem ser incomodado e que os picos agudos nas cotações representam apenas símbolos fálicos.
Mas o psicanalista não queria interpretações. Queria o seu dinheiro de volta. E como isso não era possível, avisou, teria de aumentar o preço do tratamento. O que o paciente aceitou, resignado. Oscilações, sobretudo para cima, fazem parte da Bolsa da vida. Ao fim e ao cabo, trata-se apenas de símbolos fálicos.
Moacyr Scliar, in O Imaginário Cotidiano

Nenhum comentário:

Postar um comentário