Não dê dinheiro ao Gigi. É um pedido
de mãe aflita!" — cada vez que Gigi foge de casa o anúncio
no jornal, ao lado do retrato 3x4 na farda de soldadinho. Com o
dinheiro, ele bebe e faz doidice. Dona Maria quer morrer antes que
enterrem o filho no asilo.
Gigi é manso, louco só nos olhos: sabem
de coisas que a mãe não suspeita. Dona Maria penteia-lhe o remoinho
e põe-no à janela, vidraça descida. Às vezes tem permissão de
ficar na porta e, ao se ver só, pede cigarrinho às pessoas. Depois
quer fogo e, quando o outro risca o fósforo, ele sopra. O outro
acende o segundo fósforo, segura-o na concha das mãos. Sem tirar o
cigarro da boca, Gigi sopra o fósforo. Sopra-os todos, até que a
pessoa fuja de medo — e fuma o cigarro apagado.
Mora na janela, atrás da vidraça, onde
caça mosca. Guloso pelas varejeiras, as mais gordas, azuis e verdes,
com brilho de ouro; de uma arranca as asas e escondida na mão, ouve
deslumbrado o bzzz — nem pode brincar com ela tão depressa que
morre.
Embora dócil, resiste a cortar unha ou
cabelo. Tanto crescem as unhas, esgueira-se de sapato na mão, gato
com seu pedaço de carne. É chamado o enfermeiro que lhe amarra as
mãos na cadeira. Depois apara as unhas, barbeia, rapa a cabeça.
Xinga-o de “Louquinho”, sem que ele se ofenda.
Dona Maria traz seu prato. Ele espalha a
comida no chão, logo fervilha de formiga preta. Estala formiguinha
na unha — nem sai sangue.
Noite de lua aos berros na janela do
sótão. É a serenata para a mulher do vizinho. Ela pegou na mão de
Gigi:
— Tadinho do meu bem!
Tanto bastou que a adorasse. O quarto de
Gigi dá para o quintal do vizinho. A mulher surge à porta, ele fica
imediatamente nu, atrás da vidraça, ronco feio na garganta. A moça
não sai do lugar. Eis o marido que o ameaça de revólver:
— Esse tarado eu arrebento!
Só não avisa a polícia: Dona Maria
sofre do coração, morta a um grito do filho. O socorro da velha é
o Bitu.
— Leve o Gigi passear. Os dois ganham
pão-de-ló.
O menino gosta de Gigi e bate palminha de
alegria — um doido só para ele. Faz que Gigi peça dinheiro na
rua. Bitu compra sorvete e não dá a Gigi. No fim do sorvete, Gigi
lambe os pingos na mão do menino.
Apostam corrida de besouro. Bitu
prende-lhes um fio na carapaça e enfia uma farpa no rabo. Gigi perde
sempre — o menino quebra uma patinha do corredor rival. Guardados
na caixa de sapatos, por mais que lhes dê água e pão-de-ló,
morrem de tristeza.
A vizinha segurou-lhe a mão e ele, que
era manso, começou a ter ataque. Sobe ao quarto do sótão e,
enquanto ela não aparece, engole a mosca zumbindo na vidraça.
O relógio do louco é a inveja de Bitu,
posto nem um dos dois saiba as horas. Gigi aperta o relógio na
orelha e ouve, um fio de baba no canto da boca: é doce como estalar
formiguinha. O menino segredou-lhe — a mulher do vizinho perdida de
paixão. Gigi lhe desse o relógio, levá-lo-ia ao quarto dela.
Antes Bitu foi ver o que Dona Maria
estava fazendo: partia ervilha na cozinha. O menino guiou o doidinho
ao portão da outra casa.
— Entre, Gigi. Não tenha medo. A moça
quer um beijo!
Gigi trazia a caixa de papelão com cinco
besouros mortos — o presente de noivado.
Não avançou o piá além do portão. A
observar a janela do sótão, a moça penteava os longos cabelos
dourados. O marido azeitava o revólver no quarto.
Dona Maria debulhando a vagem, ó tarde
tão quieta, escutava uma ervilha cair no chão.
Gigi seguia pelo corredor na ponta do pé,
a unha crescida. O coração do menino, à sombra do muro, batia mais
alto que o relógio na mão fechada.
Dalton Trevisan, in Novelas
nada exemplares
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