domingo, 16 de setembro de 2018

E daí que acaba

Não aguento mais ouvir de uma voz feminina com amargura e rancor que não quer mais casar. Seguidoras de Paulo Mendes Campos acreditam que, se o amor acaba, pra que começar outro?
São aquelas que se casaram de branco no dia mais feliz de suas vidas, apaixonadas e entregues, e que depois enfrentaram a ira de um ciumento, as neuras de um obcecado, as fraquezas de um viciado, se envolveram com famílias alheias intolerantes, conheceram a frigidez na rotina, a traição injusta seguida por mentiras incabíveis, e decidiram pôr um fim no sonho de eternizar aquele instante em que tudo parecia fazer sentido, em que os pombinhos nasceram um para o outro e morreriam grudados num fio eletrocutado ou numa praça poluída, na alegria e na desgraça.
Para aquelas que já passaram por um ou dois casamentos e tropeçaram no degrau da separação, em que a decepção trocou de lugar com o amor, e o futuro virou poeira, não aguento mais replicar:
Se o amor nos enlouquece, imagine a loucura que é ficar sem ele.”
Para aquelas que dizem não acreditar mais no amor, proponho então experimentar outros amores e apostar nesse bilhete só de ida.
Uma noite de prazer acaba.
Um banquete acaba.
Uma viagem inesquecível acaba.
O fim de semana na ilha paradisíaca, um campeonato, o dia, o ano, o gozo, um livro, um disco, um banho de banheira e uma nhá benta acabam.
Como Sísifo, não por isso evitamos outros.
Os homens?
Vou lhes dizer: amamos tanto as que nos deram à luz, nos deram intuição, formas alternativas de pensar, mostraram detalhes que passavam despercebidos, exigiram atenção, dedicação, carinho, nos fizeram ser românticos, vencer a vergonha, e nos inspiraram músicas, poesias, até guerras, e nos ensinaram os diversos tipos de chocolate…
Se vocês não acreditam mais, quem acreditará? Lembrem-se de Nietzsche, que nos últimos dias numa vila italiana, com o calor na pele, viu alegria no niilismo e esperança no desamparo: “Cada passo mínimo dado no campo do pensamento livre, da vida moldada no seu formato pessoal, foi desde sempre conquistado com martírios espirituais ou corporais.”
Trégua.
Que venham os clichês. Cá está o ombro para o choro da mudança de humor inexplicável e inesperada. Quer que eu apague a luz na enxaqueca? Explico com toda a paciência a regra do impedimento, quem joga contra quem, e o que significa aquele quadro no alto da tela, em que três letras, COR, vencem por 2 X 1 as três letras PAL.
Fique na cama na TPM. Trarei uma bolsa de água quente e o jantar. Sim, vamos comprar sapatos. Eu espero. Levo um livro, enquanto você experimenta a loja.
Adorei a cor do esmalte, o corte do cabelo. Batom vermelho te deixa mais bonita. Não, a calcinha não está marcando. Ah, põe o tubinho preto, se bem que gosto quando você coloca aquele vestidinho colorido. Não, o sutiã não está aparecendo.
Eu ligo para o despachante, faço um rodízio nos pneus, troco a bateria, reconfiguro seu computador, mando lavar o tapete, o forro do sofá, também adoro ele com almofadas indianas em cima.
Cuido de você na velhice, não te trocarei por uma adolescente que cheira a tutti frutti, nem pela secretária vulgar da firma, amarei a sua pele um pouco mais flácida, seus seios naturalmente instáveis, seu corpo maduro, seus joelhos frágeis. E tomaremos vinho tinto todas as noites. Prefere branco? Que celulite?
Porém a maioria de vocês conhece agora as teclas de atalho, a pressão nos pneus, sabe chamar o seguro para uma pane elétrica, e que carrinho por trás dá cartão vermelho. Tornaram-se independentes.
Pesquisa da Serasa Experian mostrou que as mulheres são a maioria entre os mais ricos do país — segundo o estudo, cerca de 4,9 milhões de mulheres e 4,7 milhões de homens participam do grupo dos mais prósperos do Brasil, as classes A e B, e que as mulheres “ricas” somam cerca de um milhão, e 611 mil mulheres são executivas bem-sucedidas.
E nós. Último censo do IBGE: o número de divórcios triplicou, enquanto o de casamentos formais de papel passado caiu 12%.
O amor se tornou líquido, não é, Zygmunt Bauman? “Se hoje vivemos em redes virtuais, que aproximam e afastam as pessoas, somos capazes de manter laços fortes e relações verticais?”, pergunta.
Entendi, deixamos de preservar o passado e começamos a viver um presente perpétuo, a era do hedonismo e do consumo desenfreado, vazio difícil de saciar.
Desistimos da sede pelo amor?
Não, as mulheres não são o apêndice do homem, mas a fonte original da vida e a nossa razão de ser. Não nos deixem desamparados. E aprendam com as nossas fraquezas e com todos os erros.
Amar ainda é a única maneira de convivermos com a sua delicadeza e de alimentarmos nossa vocação de proteger e cuidar. Não façam do homem uma noite sem vento, um mundo sem gravidade. Parecemos tolos e infantis, controladores e insensíveis. Mas nós as amamos tanto…
Acaba mesmo?
Comece outro.
Antes que a amargura substitua o brilho dos seus olhos.
E a pieguice, a rima e as metáforas sejam extintas.
Marcelo Rubens Paiva, in As verdades que ela não diz

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