Era
meio-dia, mas rapidamente foi-se fazendo noite. O temporal de Santa
Rosa estava prestes a desabar, com hora marcada. Alvoroçadas nos
telhados, as cigarras anunciavam chuva. Talvez impedido por essa
súbita escuridão, Alonso não o viu chegar, ou então porque ele
amarrou seu barco no ancoradouro quando Alonso estava de costas,
trabalhando no forno de pão. Também não o ouviu, pois ele havia
chegado em silêncio, deslizando pelo rio. Remava lentamente, em pé
no barco, com dignidade de cavalheiro.
Alonso
estava tirando as brasas do forno com uma pá, jogando-as no carrinho
de mão. Teresa tinha preparado os pães com o bom fermento e as
tortas, recheadas de torresmo. Os músculos das grandes costas de
Alonso contraíam-se a cada movimento que ele fazia com a pá. O
esplendor das brasas lambia a sua pele e sua transpiração se
iluminava, brilhando como pequenas gotas avermelhadas. Teresa sentiu
um forte desejo de tocar suas costas. Aproximou-se e estendeu a mão.
Nesse momento Alonso se virou:
– É
preciso abrir o respiradouro do forno – disse.
Caminhou
alguns passos. Quase esbarrou no forasteiro. Era mais alto que ele, o
que já era descomunal, e usava uma grande capa negra que lhe caía
dos ombros. O forasteiro saudou-o com um leve toque de dedos na aba
do seu grande chapéu, enterrado até os olhos. Pediu um copo de
vinho e bebeu, gole a gole, com o cotovelo apoiado no balcão de
metal.
Teresa
foi até o rio molhar uns sacos de estopa e Alonso terminou de tirar
as brasas do forno. O forasteiro não disse nada e foi embora.
Teresa
e Alonso ficaram olhando sua majestosa figura de falcão, até
perder-se de vista na negra bruma do rio. Colocaram os pães e as
tortas no forno. Alonso fechou a porta de ferro e cobriu-a com os
grossos panos molhados. Então, sentou-se para fumar um cigarro. Ao
seu lado, Teresa descascava batatas e as colocava num tacho.
– Eu
vi o que ele trazia – disse Teresa, sem se mover.
– Trazia
onde?
– No
barco. Aproximei-me e vi. Não aguentava mais de curiosidade.
– Hum!
Alonso
se levantou, abriu e fechou a porta do forno: os pães tinham
crescido rapidamente e estavam assando bem.
– Ataúdes.
Era o que trazia – disse Teresa. – Dois.
– Podiam
ser latas de gasolina ou algo assim – disse Alonso.
– Não.
Eram caixões de defunto. Eu vi bem.
– Estavam
escondidos?
– Não,
estavam à vista.
– Vazios?
– Não
sei.
– Estavam.
– O
quê?
– Vazios.
Ainda estavam vazios.
– Quem
sabe.
– Veio
para matar – disse então Alonso, que tinha visto a ponta de um
fuzil sob a capa.
– Quem
será que ele vai matar?
Alonso
deu de ombros, mas ele sabia.
– Ele
vai esperar que comam e depois façam a sesta – disse.
Eduardo
Galeano, in Vagamundo
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