terça-feira, 25 de setembro de 2018

Cinzas - 1

Era meio-dia, mas rapidamente foi-se fazendo noite. O temporal de Santa Rosa estava prestes a desabar, com hora marcada. Alvoroçadas nos telhados, as cigarras anunciavam chuva. Talvez impedido por essa súbita escuridão, Alonso não o viu chegar, ou então porque ele amarrou seu barco no ancoradouro quando Alonso estava de costas, trabalhando no forno de pão. Também não o ouviu, pois ele havia chegado em silêncio, deslizando pelo rio. Remava lentamente, em pé no barco, com dignidade de cavalheiro.
Alonso estava tirando as brasas do forno com uma pá, jogando-as no carrinho de mão. Teresa tinha preparado os pães com o bom fermento e as tortas, recheadas de torresmo. Os músculos das grandes costas de Alonso contraíam-se a cada movimento que ele fazia com a pá. O esplendor das brasas lambia a sua pele e sua transpiração se iluminava, brilhando como pequenas gotas avermelhadas. Teresa sentiu um forte desejo de tocar suas costas. Aproximou-se e estendeu a mão. Nesse momento Alonso se virou:
É preciso abrir o respiradouro do forno – disse.
Caminhou alguns passos. Quase esbarrou no forasteiro. Era mais alto que ele, o que já era descomunal, e usava uma grande capa negra que lhe caía dos ombros. O forasteiro saudou-o com um leve toque de dedos na aba do seu grande chapéu, enterrado até os olhos. Pediu um copo de vinho e bebeu, gole a gole, com o cotovelo apoiado no balcão de metal.
Teresa foi até o rio molhar uns sacos de estopa e Alonso terminou de tirar as brasas do forno. O forasteiro não disse nada e foi embora.
Teresa e Alonso ficaram olhando sua majestosa figura de falcão, até perder-se de vista na negra bruma do rio. Colocaram os pães e as tortas no forno. Alonso fechou a porta de ferro e cobriu-a com os grossos panos molhados. Então, sentou-se para fumar um cigarro. Ao seu lado, Teresa descascava batatas e as colocava num tacho.
Eu vi o que ele trazia – disse Teresa, sem se mover.
Trazia onde?
No barco. Aproximei-me e vi. Não aguentava mais de curiosidade.
Hum!
Alonso se levantou, abriu e fechou a porta do forno: os pães tinham crescido rapidamente e estavam assando bem.
Ataúdes. Era o que trazia – disse Teresa. – Dois.
Podiam ser latas de gasolina ou algo assim – disse Alonso.
Não. Eram caixões de defunto. Eu vi bem.
Estavam escondidos?
Não, estavam à vista.
Vazios?
Não sei.
Estavam.
O quê?
Vazios. Ainda estavam vazios.
Quem sabe.
Veio para matar – disse então Alonso, que tinha visto a ponta de um fuzil sob a capa.
Quem será que ele vai matar?
Alonso deu de ombros, mas ele sabia.
Ele vai esperar que comam e depois façam a sesta – disse.
Eduardo Galeano, in Vagamundo

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