sábado, 22 de setembro de 2018

As tentações de frei Antônio

Naquela noite, como em todas as noites, frei Antônio atirou-se na sua cama de pedra coberta com aniagem e palha, e tentou não pensar nela. Tinha dado suas nove voltas no claustro, rezando e tentando não pensar nela. Tinha comido o pão seco e a sopa rala no refeitório, entre os outros freires, tentando não pensar nela. Agora, na cama, a única maneira de não pensar nela era dormir. Mas frei Antônio não conseguia dormir, pensando nela. 
 
* * *
Bacana!
Eu não disse?
Luana estava de boca aberta. O quarto era mesmo uma beleza.
Quando o Túlio dissera que tinham aproveitado as celas do mosteiro, com pequenas adaptações, para fazerem os quartos, mas que os quartos eram ótimos, ela não acreditara. O quarto era pequeno e as paredes de pedra tinham sido mantidas. Mas a decoração era linda e o quarto não era frio, era aconchegante, bem como dizia no prospecto. Aconchegante, dissera o Túlio. Você vai ver. E era.
O que é aquilo?
Acho que era onde os monges dormiam.
Assim, em cima da pedra?
É, Lu. Mas a nossa cama é aquela ali...
O quarto só tinha uma janela alta e estreita. Quase uma seteira. Naquela noite, depois do amor (“Nunca pensei, fazer isto num mosteiro...”), Luana ficou olhando a luz da lua cheia que entrava pela janela alta e estreita. 
 
* * *
Frei Antônio olhava a janela alta e estreita por onde entrava a luz da lua cheia. Lua. Ela se chamaria Lua. Teria cabelos loiros. Seria uma Lua loira. Senhor, que a porta se abra agora e entre uma Lua loira. Uma Lua nua. Uma Lua loira e nua. Nua e Lua, Senhor. Agora, Senhor. Lua e nua e loira...
Quando finalmente dormia, frei Antônio não sonhava com ela. Sonhava com o Inferno. Sonhava com o Sol. Às vezes acordava no meio da noite, suado, e pensava “As chamas são para você aprender, Antônio. São o seu castigo”. Mas castigo por que, se a porta nunca se abria, se a Lua não estava deitada ao seu lado? Ela só existe na minha imaginação. Eu a conjuro e ela não vem. Eu a amo e ela nunca virá. E eu arderei no Inferno só pelo que pensei.
* * *
Imagina a vida que eles levavam, Túlio.
Quem?
Os monges. Deviam ficar ali, deitados, coitadinhos...
Pensando em mulher.
Será? Acho que não. Tinham escolhido uma vida sem mulher. Sem sexo.
Falando nisso, chega pra cá, chega.
Não. Para. Como seria o nome dele?
De quem?
Do monge que vivia nesta cela.
Sei lá. Isto aqui deixou de ser mosteiro há uns cem anos...
Luana ficou pensando no último monge que ocupara aquela cela, cem anos antes. Como seria ele? Passou a imaginá-lo. Imaginou-se entrando na sua cela e deitando-se com ele. Assim como estava, nua. Ele a expulsaria da sua cama de pedra? Coitadinho.
Frei Antônio sentiu que havia outro corpo com ele na cama. Sentiu seu calor. Mas não abriu os olhos. Não virou a cabeça. Estava sonhando, claro. Tinha medo de abrir os olhos e descobrir que não havia ninguém ali. Tinha medo que o calor fosse embora. Ouviu uma voz de mulher perguntar:
Como é o seu nome?
Antônio. E o seu?
Mas não houve resposta. Frei Antônio abriu os olhos e viu a luz da lua cheia saindo pela janela. 
 
* * *
Antônio...
Ahn?
O quê?
Você disse “Antônio”.
Eu? Tá doido?
Estava sonhando com quem?
Com ninguém.
Chega pra cá, chega.
Ó, Túlio. Você só pensa nisso?
É que, sei lá. Este quarto está carregado de sexo. Tem sexo escorrendo pelas paredes. Você não sente?
Não.
Já sei! Vamos fazer amor na cama de pedra.
Não. Na cama dele, não.
Luís Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo

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