Naquela
noite, como em todas as noites, frei Antônio atirou-se na sua cama
de pedra coberta com aniagem e palha, e tentou não pensar nela.
Tinha dado suas nove voltas no claustro, rezando e tentando não
pensar nela. Tinha comido o pão seco e a sopa rala no refeitório,
entre os outros freires, tentando não pensar nela. Agora, na cama, a
única maneira de não pensar nela era dormir. Mas frei Antônio não
conseguia dormir, pensando nela.
*
* *
— Bacana!
— Eu
não disse?
Luana
estava de boca aberta. O quarto era mesmo uma beleza.
Quando
o Túlio dissera que tinham aproveitado as celas do mosteiro, com
pequenas adaptações, para fazerem os quartos, mas que os quartos
eram ótimos, ela não acreditara. O quarto era pequeno e as paredes
de pedra tinham sido mantidas. Mas a decoração era linda e o quarto
não era frio, era aconchegante, bem como dizia no prospecto.
Aconchegante, dissera o Túlio. Você vai ver. E era.
— O
que é aquilo?
— Acho
que era onde os monges dormiam.
— Assim,
em cima da pedra?
— É,
Lu. Mas a nossa cama é aquela ali...
O
quarto só tinha uma janela alta e estreita. Quase uma seteira.
Naquela noite, depois do amor (“Nunca pensei, fazer isto num
mosteiro...”), Luana ficou olhando a luz da lua cheia que entrava
pela janela alta e estreita.
*
* *
Frei
Antônio olhava a janela alta e estreita por onde entrava a luz da
lua cheia. Lua. Ela se chamaria Lua. Teria cabelos loiros. Seria uma
Lua loira. Senhor, que a porta se abra agora e entre uma Lua loira.
Uma Lua nua. Uma Lua loira e nua. Nua e Lua, Senhor. Agora, Senhor.
Lua e nua e loira...
Quando
finalmente dormia, frei Antônio não sonhava com ela. Sonhava com o
Inferno. Sonhava com o Sol. Às vezes acordava no meio da noite,
suado, e pensava “As chamas são para você aprender, Antônio. São
o seu castigo”. Mas castigo por que, se a porta nunca se abria, se
a Lua não estava deitada ao seu lado? Ela só existe na minha
imaginação. Eu a conjuro e ela não vem. Eu a amo e ela nunca virá.
E eu arderei no Inferno só pelo que pensei.
*
* *
— Imagina
a vida que eles levavam, Túlio.
— Quem?
— Os
monges. Deviam ficar ali, deitados, coitadinhos...
— Pensando
em mulher.
— Será?
Acho que não. Tinham escolhido uma vida sem mulher. Sem sexo.
— Falando
nisso, chega pra cá, chega.
— Não.
Para. Como seria o nome dele?
— De
quem?
— Do
monge que vivia nesta cela.
— Sei
lá. Isto aqui deixou de ser mosteiro há uns cem anos...
Luana
ficou pensando no último monge que ocupara aquela cela, cem anos
antes. Como seria ele? Passou a imaginá-lo. Imaginou-se entrando na
sua cela e deitando-se com ele. Assim como estava, nua. Ele a
expulsaria da sua cama de pedra? Coitadinho.
Frei
Antônio sentiu que havia outro corpo com ele na cama. Sentiu seu
calor. Mas não abriu os olhos. Não virou a cabeça. Estava
sonhando, claro. Tinha medo de abrir os olhos e descobrir que não
havia ninguém ali. Tinha medo que o calor fosse embora. Ouviu uma
voz de mulher perguntar:
— Como
é o seu nome?
— Antônio.
E o seu?
Mas
não houve resposta. Frei Antônio abriu os olhos e viu a luz da lua
cheia saindo pela janela.
*
* *
— Antônio...
— Ahn?
— O
quê?
— Você
disse “Antônio”.
— Eu?
Tá doido?
— Estava
sonhando com quem?
— Com
ninguém.
— Chega
pra cá, chega.
— Ó,
Túlio. Você só pensa nisso?
— É
que, sei lá. Este quarto está carregado de sexo. Tem sexo
escorrendo pelas paredes. Você não sente?
— Não.
— Já
sei! Vamos fazer amor na cama de pedra.
— Não.
Na cama dele, não.
Luís
Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo
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