segunda-feira, 20 de agosto de 2018

O Albatroz

A sudeste do cabo, ao largo das distantes ilhas Crozet, numa zona boa para a pesca de baleias francas, apareceu um navio, chamado Goney [Albatroz]. Enquanto se aproximava lentamente, eu, do meu poleiro privilegiado no mastro de proa, tinha excelente visão daquele espetáculo tão notável para um novato da pesca em oceanos longínquos – um navio baleeiro há muito tempo distante da pátria.
Como se as ondas houvessem sido lavadeiras, esse navio desbotara como o esqueleto de uma morsa encalhada. Em todo o costado, a espectral aparição era rajada por compridas nervuras de ferrugem avermelhada, enquanto todas as vergas e o cordame eram como enormes galhos de árvores cobertos de geada. Apenas as velas inferiores estavam içadas. Uma bárbara visão eram os barbudos gajeiros no topo dos três mastros. Pareciam vestidos com peles de animais, tão rasgado e remendado era o vestuário que sobrevivera a quase quatro anos de viagem. De pé nos aros de ferro presos ao mastro, ficavam se equilibrando e balançando sobre um mar insondável; quando o baleeiro deslizou lentamente para perto de nossa popa, todos nós, seis homens no ar, ficamos tão perto uns dos outros que poderíamos ter saltado do topo do mastro de um navio para o do outro; mas aqueles pescadores de aspecto lastimável, observando-nos pacatamente enquanto passávamos, não disseram nenhuma palavra aos nossos gajeiros, quando a saudação do tombadilho foi ouvida lá embaixo.
Ó, de bordo! Vistes a Baleia Branca?”
Mas quando o capitão desconhecido, debruçando-se sobre a pálida amurada, ia levar o porta-voz à boca, este se soltou de sua mão e acabou caindo no mar; e, com o vento soprando agora furiosamente, ele tentava em vão se fazer ouvir sem aquilo. Enquanto isso, seu navio aumentava a distância entre nós. Quando os marinheiros do Pequod, por vários modos silenciosos, demonstravam atribuir este incidente agourento à simples menção do nome da Baleia Branca a um outro navio, Ahab parou por um momento; até parecia que ele iria descer um bote para abordar o desconhecido, se o vento ameaçador não o houvesse impedido. Mas, valendo-se da sua posição a favor do vento, pegou novamente seu porta-voz e, sabendo que por seu aspecto a estranha embarcação era de Nantucket e que logo estaria de volta, bradou em voz alta: “Ó, de bordo! Este é o Pequod, dando a volta ao mundo! Digam a todos que as próximas cartas devem ser endereçadas para o oceano Pacífico! E se dentro de três anos eu não estiver de volta digam que devem endereçá-las para –”.
Naquele momento, os dois rastros se cruzaram e, instantaneamente, então, a seu modo singular, cardumes de inofensivos peixinhos, que alguns dias antes vinham nadando placidamente ao nosso lado, dispararam para longe com suas barbatanas aparentemente trêmulas e alinharam-se aos flancos da estranha embarcação. Mesmo que ao longo de contínuas viagens Ahab tivesse visto muitos fenômenos semelhantes, no entanto, para um monomaníaco, as ocorrências mais triviais portam significados caprichosos.
Fugindo de mim?”, murmurou Ahab, olhando a água. Pareciam palavras simples, mas o tom transmitia uma tristeza profunda e consternada, como o velho demente jamais demonstrara. Voltando-se ao timoneiro, que até então mantinha o navio a barlavento, para diminuir a velocidade, gritou, com a sua voz de leão velho, – “Pegue no leme! Rumo à volta ao mundo!”
Volta ao mundo! Há nessas palavras algo que inspira um sentimento de orgulho; mas aonde nos leva toda essa circunavegação? Apenas através de inúmeros perigos e ao mesmo ponto de onde partimos, onde aqueles que deixamos em segurança estavam o tempo todo diante de nós.
Se este mundo fosse uma planície infinita e, ao navegar para o oriente, pudéssemos sempre alcançar novas distâncias e descobrir espetáculos mais agradáveis e estranhos do que as Cíclades ou as ilhas do rei Salomão, então a viagem conteria uma promessa. Mas no encalço daqueles mistérios remotos com que sonhamos, ou na caçada atormentada do fantasma demoníaco que, vez por outra, nada à frente de todos os corações humanos; enquanto permanecemos nessa perseguição ao redor do globo, tais mistérios nos levam a labirintos áridos ou na travessia nos largam submersos.
Herman Melville, in Moby Dick

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