sexta-feira, 24 de agosto de 2018

No restaurante

Ilustração: Carlos Araújo

Quero lasanha.
Aquele anteprojeto de mulher — quatro anos, no máximo, desabrochando na ultraminissaia — entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha.
O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais.
Meu bem, venha cá.
Quero lasanha.
Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.
Não, já escolhi. Lasanha.
Que parada — lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:
Vou querer lasanha.
Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão.
Gosto, mas quero lasanha.
Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana de camarão. Tá?
Quero lasanha, papai. Não quero camarão.
Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente traça uma lasanha. Que tal?
Você come camarão e eu como lasanha.
O garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo:
Quero uma lasanha.
O pai corrigiu:
Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.
A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço, ela atacou:
Moço, tem lasanha?
Perfeitamente, senhorita.
O pai, no contra-ataque:
O senhor providenciou a fritada?
Já, sim, doutor.
De camarões bem grandes?
Daqueles legais, doutor.
Bem, então me vê um chinite, e pra ela… O que é que você quer, meu anjo?
Uma lasanha.
Traz um suco de laranja pra ela.
Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.
Estava uma coisa, hem? — comentou o pai, com um sorriso bem alimentado. — Sábado que vem, a gente repete… Combinado?
Agora a lasanha, não é, papai?
Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais! Mas você vai comer mesmo?
Eu e você, tá?
Meu amor, eu…
Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha.
O pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com força total, o poder ultrajovem.
Carlos Drummond de Andrade, in 70 historinhas

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