domingo, 22 de julho de 2018

O gênio transforma, transporta

Mas o gênio, e mesmo o grande talento, provém menos de elementos intelectuais e de afinamento social superiores aos alheios, que da faculdade de os transformar, de os transportar. Para aquecer um líquido com uma lâmpada elétrica, não se deve conseguir a lâmpada mais forte possível, mas uma cuja corrente possa deixar de iluminar, ser desviada e produzir, em vez de luz, calor. Para passear pelos ares, não é necessário ter o automóvel mais possante, mas um automóvel que, deixando de correr por terra e cortando com uma vertical a linha que seguia, seja capaz de converter em força ascensional a sua velocidade horizontal. Assim, os que produzem obras geniais não são aqueles que vivem no meio mais delicado, que têm a conversação mais brilhante, a cultura mais extensa, mas os que tiveram o poder, deixando subitamente de viver para si mesmos, de tornar a sua personalidade igual a um espelho, de tal modo que a sua vida aí se reflita, por mais medíocre que aliás pudesse ser mundanamente e até, em certo sentido, intelectualmente falando, pois o gênio consiste no poder refletor e não na qualidade intrínseca do espetáculo refletido.”
Marcel Proust, in À sombra das raparigas em flor

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