“Mas o gênio, e
mesmo o grande talento, provém menos de elementos intelectuais e de
afinamento social superiores aos alheios, que da faculdade de os
transformar, de os transportar. Para aquecer um líquido com uma
lâmpada elétrica, não se deve conseguir a lâmpada mais forte
possível, mas uma cuja corrente possa deixar de iluminar, ser
desviada e produzir, em vez de luz, calor. Para passear pelos ares,
não é necessário ter o automóvel mais possante, mas um automóvel
que, deixando de correr por terra e cortando com uma vertical a linha
que seguia, seja capaz de converter em força ascensional a sua
velocidade horizontal. Assim, os que produzem obras geniais não são
aqueles que vivem no meio mais delicado, que têm a conversação
mais brilhante, a cultura mais extensa, mas os que tiveram o poder,
deixando subitamente de viver para si mesmos, de tornar a sua
personalidade igual a um espelho, de tal modo que a sua vida aí se
reflita, por mais medíocre que aliás pudesse ser mundanamente e
até, em certo sentido, intelectualmente falando, pois o gênio
consiste no poder refletor e não na qualidade intrínseca do
espetáculo refletido.”
Marcel Proust,
in À sombra das raparigas em flor
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