quinta-feira, 14 de junho de 2018

Uma lição de moral

Meu amigo Baiano me pede que eu declare seu nome de batismo. Isso porque, segundo o Baiano, a rapaziada da terra dele não acredita que a gente bebe junto no Bar da Maria.
- ‘Xá-de-sê mintiroso, seu minino. Tu bebe cum Valdimir Branquis nada, ô xente!
Tá legal, Baiano. Alô, Nordeste! Atenção, Agreste, Sertão, Cerrado, Caatinga, Coqueirais e Mandacurus! O nome do Baiano é Wilson Flora! E, só pra não perder a viagem Valdimir Branquis é o cacete!
Tudo isso é pra dizer que Baiano inventou uma explicação muito original sobre os motivos que podem levar um senador a mandar matar um sargento comilão, sujeitando a digníssima esposa a um vexame nacional. É claro que tudo não passa de especulação e qualquer semelhança com vivos e mortos do Brasil de hoje é mera coincidência.
- Cê vê, Blanc: se o cara tivesse ficado boneco e não chiasse, ou se tivesse dado apenas ligeira aparadinha nos chifres, umas bolachas e coisa e tal, o negoço não extrapolava. Ora, pra virar suruba nacional, só tem uma explicação plausível...
Bom contador de história, Baiano acende uma cigarrilha e assume um arzinho altivo, coisa de Sherlock Holmes caboclo.
- Homem acostumado ao poder, o marido pirou por motivos concernentes à etiqueta e não necessariamente afeitos à esfera sexual!
Tem horas que o Baiano enche o saco, né?
- Pegou o espírito da coisa, Blanc?
- Ainda não.
- Pois eu vou reconstituir o crime pra você entender a jogada.
- Obrigado, Wilson.
- Disponha. Me acompanhe: o senador chega em casa mais cedo e grita: Queriiidaaa!
- Hum-hum.
- Que resposta obtém? Nenhuma. Do quarto chega uns gemidozinhos abafados, ai, ui, tira, bota, esses fundamentos. Que faz o senador?
- Puxa a parabélum.
- Nãozinho.
- Trinca a peixeira e parte pra cima.
-Never! Homem habituado aos meandros do poder, o senador fica frio e vai investigar a questão. Entra no quarto e dá de cara com o sargento, ou patente próxima, mais atochado na senhora dele que camarão em vatapá. Que atitude toma o senador?
- Sei lá, pô. Explode o cômodo.
- Nunca, jamais, em tempo algum. íntimo dos acidentes do poder, o senador delibera, tenta o debate, o que eles mesmo chamam de um “amplo entendimento”. Diz pro rapaz: “Mas logo você, que não tinha onde cair morto e a quem tanto ajudei?” E virando o foco pra cara-metade: “Será possível o que meus olhos veem?”
- Ah, Baiano, qualé?
- E o casal? Que reação tem o casal, diante desse exemplo de moderação?
- Bom, envergonhados, os dois se cobrem e...
- Errou de novo. O casal continua no vapt-vupt. Aí, sim, o senador, sentindo-se agredido na investidura do seu poder, perde as estribeiras. Porque um dos lemas do poder é: querem prevaricar, prevariquem, mas com muito respeito.
Aldir Blanc, in Brasil passado a sujo

Nenhum comentário:

Postar um comentário