segunda-feira, 18 de junho de 2018

Tudo virou Antônio

Era gente que só a praga, e chegando mais, de um, de dois, de dez.
Cada casa de Nordestina virou hotel, cada quintal virou acampamento, e haja comida praquele povo todo. Nunca se mataram tantos bodes, fora as galinhas, e, na falta dessas, qualquer criatura de Deus que se prestasse a guisado.
E era tanta palavra pelo mundo contando o que estava acontecendo, palavra francesa, japonesa e italiana, que não sobrava palavra nenhuma pra se comentar outro assunto.
Tudo virou Antônio e Antônio virou de tudo.
Virou nome de estrela no céu, nome de filé à moda, virou até nome de gripe, uma gripe chamada Antônio. Virou nome de todo menino que nasceu naquele tempo.
Antônio José do Nascimento.
Antônio Péricles de Souza.
Antônio Pedro Barbosa de Almeida, que depois virou só Tonho.
Antônio Viana de França, que depois virou Toinho.
Antônio Benedito de Azevedo, que depois virou bandido.
Antônio Gonçalves da Silva, que depois virou artista.
Antônio Domingos de Lima, que depois virou ministro.
Os oito dias se passavam e ele trancado, pois construir uma máquina da morte não é fácil, não, o cabra tem que possuir muita geometria.
Karina vinha diariamente implorar “Faça isso não”, e ele, “Faço, pois já dei minha palavra”, e ela chorava, e ele dizia: “Pra que tanta agonia se eu só vou dar uma chegadinha no futuro e volto logo?” “Volta logo como, se o futuro é muito longe?” “Não vou tão longe assim, não. Vou andar somente uns 25 anos pra frente, exatamente o tempo que tenho pra trás, contando do dia que nasci até o dia de minha partida.” Aí é que ela se agoniava ainda mais: “Isso tudinho?” “Nem um dia a mais, nem um dia a menos, eu prometo, Karina. Vou apenas multiplicar minha idade por dois, depois desmultiplico e pronto.” Qualquer argumento, por melhor que fosse este, jamais seria suficiente pra sossegar o coração de Karina. Por isso, só pra distraí-la, convencê-la e acalmá-la, ou então só pra se amostrar mesmo, Antônio ia contando suas histórias pra multidão que se juntava na porta da casa.
Ia desafiando a morte enquanto ela nem resposta dava.
Adriana Falcão, in A máquina

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