Eu estava no
apartamento de d. Lourdes, costureira, provando meu vestido pintado
pela Olly – e dona Lourdes disse: morreu um homem no mar, olhe os
bombeiros. Olhei e só vi o mar que devia ser muito salgado, mar
azul, casas brancas. E o morto?
O morto em
salmoura. Não quero morrer! gritei-me muda dentro de meu vestido. O
vestido é amarelo e azul. E eu? morta de calor, não morta de mar
azul.
Vou contar um
segredo: meu vestido é lindo e não quero morrer. Na sexta-feira o
vestido estará em casa, e no sábado eu o usarei. Sem morte, só mar
azul. Existem nuvens amarelas? Existem douradas. Eu não tenho
história. O morto tem? Tem: foi tomar banho de mar na Urca, o bobo,
e morreu, quem mandou? Eu tomo banho de mar com cuidado, não sou
tola, e só vou à Urca para provar vestido. E três blusas. S. foi
comigo. Ela é minuciosa na prova. E o morto? minuciosamente morto?
Vou contar uma
história: era uma vez um rapaz novo ainda que gostava de banho de
mar. Daí, ele foi numa manhã de quarta-feira para a Urca. Na Urca,
nas pedras da Urca, eu não vou porque está cheio de ratos. Mas o
rapaz não ligava para os ratos. Nem os ratos ligavam para ele. O
casario branco da Urca. Isso ele ligava. Então tinha uma mulher
provando um vestido e que chegou tarde demais: o rapaz já estava
morto. Salgado. Tinha piranha no mar? Fiz que não entendi. Não
entendo mesmo a morte. Um rapaz morto?
Morto de bobo que
era. Só se deve ir à Urca para provar vestido alegre. A mulher, que
sou eu, só quer alegria. Mas eu me curvo diante da morte. Que virá,
virá, virá. Quando? aí é que está, pode vir a qualquer momento.
Mas eu, que estava provando o vestido no calor da manhã, pedi uma
prova de Deus. E senti uma coisa intensíssima, um perfume intenso
demais de rosas. Então tive a prova, as duas provas; de Deus e do
vestido.
Só se deve morrer
de morte morrida, nunca de desastre, nunca de afogação no mar. Eu
peço proteção para os meus, que são muitos. E a proteção, tenho
certeza, virá.
Mas e o rapaz? e
sua história? Capaz de ser estudante. Nunca saberei. Fiquei apenas
olhando o mar e o casario. Dona Lourdes imperturbável, perguntando
se apertava mais na cintura. Eu disse que sim, que cintura é para se
ver apertada. Mas estava atônita. Atônita no meu vestido lindo.
Clarice
Lispector, in Todos os contos
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