Aquele restaurante
de bairro é do tipo simpatia/classe média. Fica em rua sossegada, é
pequeno, limpo, cores repousantes, comida razoável, preços idem,
não tem música de triturar os ouvidos. O dono senta-se à mesa da
gente, para bater um papo leve, sem intimidades.
Meu relógio parou.
Pergunto-lhe quantas horas são.
— Estou sem
relógio.
— Então vou
perguntar ao garçom. Ele também está sem relógio.
— E o colega
dele, que serve aquela mesa?
— Ninguém está
com relógio nesta casa.
— Curioso. É
moda nova?
— Antes de
responder, e se o senhor permite, vou lhe fazer, não propriamente um
pedido, mas uma sugestão.
— Pois não.
— Não precisa
trazer relógio quando vier jantar.
— Não entendo.
— Estamos
sugerindo aos nossos fregueses que façam este pequeno sacrifício.
— Mas o senhor
podia explicar…
— Sem querer
meter o nariz no que não é da minha conta, gostaria também que
trouxesse pouco dinheiro, ou antes, nenhum.
— Agora é que
não estou pegando mesmo nada.
— Coma o que
quiser, depois mandamos receber em sua casa.
— Bem, eu moro
ali adiante, mas e outros, os que nem se sabe onde moram, ou estão
de passagem na cidade?
— Dá-se um
jeito.
— Quer dizer que
nem relógio nem dinheiro?
— Nem joias.
Estamos pedindo às senhoras que não venham de joia. É o mais
difícil, mas algumas estão atendendo.
— Hum, agora já
sei.
— Pois é. Isso
mesmo. O amigo compreende…
— Compreendo
perfeitamente. Desculpe ter custado um pouco a entrar na jogada. Sou
meio obtuso quando estou com fome.
— Absolutamente.
Até que o amigo compreendeu sem que eu precisasse dizer tudo. Muito
bem.
— Mas me diga uma
coisa. Quando foi isso?
— Quarta-feira
passada.
— E como foi,
pode-se saber?
— Como podia ser?
Como nos outros lugares, no mesmo figurino. Só que em ponto menor.
— Lógico, sua
casa é pequena. Mas levaram o quê?
— O que havia na
caixa, pouquinha coisa. Eram nove da noite, dia meio parado.
— Que mais?
— Umas coisinhas,
liquidificador, relógio de pulso, meu, dos empregados e dos
fregueses.
— Ahn. (Passei a
mão no pulso, instintivamente.)
— O pior foi o
cofre.
— Abriram o
cofre?
— Reviraram tudo,
à procura do cofre. Ameaçaram, pintaram e bordaram. Foi muito
desagradável.
— E afinal?
— Cansei de
explicar a eles que não havia cofre, nunca houve, como é que eu
podia inventar cofre naquela hora?
— Ficaram
decepcionados, imagino.
— Não senhor.
Disseram que tinha de haver cofre. Eram cinco, inclusive a moça de
bota e revólver, querendo me convencer que tinha cofre escondido na
parede, no teto, embaixo do piso, sei lá.
— E o resultado?
— Este — e
baixou a cabeça, onde, no cocuruto, alvejava a estrela de
esparadrapo.
— Oh! Sinto
muito. Não tinha notado. Felizmente escapou, é o que vale. Dê
graças a Deus por estar vivo.
— Já sei. Sabe
que mais? Na polícia me perguntaram se eu tinha seguro contra roubo.
E eu pensando que meu seguro fosse a polícia. Agora estou me
segurando à minha maneira, deixando as coisas lá em casa e
convidando os fregueses a fazer o mesmo. E vou comprar um cofre.
Cofre pequeno, mas cofre.
— Para quê, se
não vai guardar dinheiro nele?
— Para mostrar
minha boa-fé, se eles voltarem. Abro imediatamente o cofre, e verão
que não estou escondendo nada. Que lhe parece?
— Que talvez o
senhor precise manter um estoque de esparadrapo em seu restaurante.
Carlos Drummond
de Andrade, in 70 historinhas
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