Em 1921, a Copa
América ia ser disputada em Buenos Aires. O presidente do Brasil,
Epitácio Pessoa, baixou um decreto de brancura: ordenou que não se
enviasse nenhum jogador de pele morena, por razões de prestígio
pátrio. Das três partidas que jogou, a seleção branca perdeu
duas.
Nesse campeonato
sul-americano Friedenreich não jogou. Naquela época, era impossível
ser negro no futebol brasileiro, e ser mulato era difícil:
Friedenreich entrava em campo sempre tarde, porque no vestiário
demorava meia hora esticando o cabelo, e o único jogador mulato do
Fluminense, Carlos Alberto, branqueava a cara com pó de arroz.
Depois, apesar dos
donos do poder e não por causa deles, as coisas foram mudando. Bem
mais tarde, com o passar do tempo, aquele futebol mutilado pelo
racismo pôde se revelar em toda a plenitude de suas diversas cores.
Após tantos anos é fácil comprovar que foram negros ou mulatos os
melhores jogadores da história do Brasil, de Friedenreich a Romário,
passando por Domingos da Guia, Leônidas, Zizinho, Garrincha, Didi e
Pelé. Todos vinham da pobreza, e alguns voltaram a ela. Por outro
lado, nunca houve nenhum negro ou mulato entre os campeões
brasileiros de automobilismo. Como o tênis, o esporte das pistas
exige dinheiro.
Na pirâmide social
do mundo, os negros estão embaixo e os brancos em cima. No Brasil
chamam isso de democracia racial , mas a verdade é que o futebol
oferece um dos poucos espaços mais ou menos democráticos onde as
pessoas de pele escura podem competir em pé de igualdade. Podem, mas
até certo ponto – porque também no futebol uns são mais iguais
que os outros. Embora tenham os mesmos direitos, nunca competem nas
mesmas condições o jogador que vem da fome e o atleta bem
alimentado. Mas pelo menos no futebol há alguma possibilidade de
ascensão social para o menino pobre, em geral negro ou mulato, que
só tem a bola como brinquedo: a bola é a única varinha mágica em
que pode acreditar. Talvez ela lhe dê de comer, talvez ela o
transforme num herói, talvez em deus.
A miséria o torna
apto para o futebol ou para o delito. Desde que nasce, esse menino é
obrigado a transformar em arma sua desvantagem física, e rapidamente
aprende a driblar as normas da ordem que lhe nega um lugar. Aprende a
descobrir como despistar cada pista, e torna-se sábio na arte de
dissimular, surpreender, abrir caminho onde menos se espera e tirar o
inimigo de cima com um requebro de cintura ou qualquer outra melodia
da música malandra.
Eduardo Galeano,
in Futebol ao sol e à sombra
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