terça-feira, 12 de junho de 2018

Cristianismo e sexo

Mas o pior aspecto da religião cristã é sua atitude em relação ao sexo – atitude tão mórbida e tão antinatural que pode ser compreendida apenas quando relacionada à doença do mundo civilizado à época em que o Império Romano sucumbia. A esse respeito, às vezes ouvimos falar que o cristianismo melhorou a posição social das mulheres. Essa é uma das perversões históricas mais grosseiras que se pode fazer. As mulheres não podem desfrutar de uma posição tolerável em uma sociedade em que seja considerado de máxima importância o fato de elas não poderem infringir um código moral muito rígido. Os monges sempre consideraram a mulher principalmente como a tentadora; pensaram nela principalmente como inspiradora de desejos impuros. O ensinamento da Igreja foi, e ainda é, que a virgindade é o melhor, mas que, para aquelas que acham isso impossível, o casamento é permitido. “É melhor se casar do que queimar”, diz brutalmente São Paulo. Ao fazer do casamento uma coisa indissolúvel, e ao extinguir todo o conhecimento a respeito da ars amandi, a Igreja fez o que pôde para garantir que a única forma de sexo permitida envolvesse o mínimo de prazer e o máximo de dor possível. A oposição aos métodos contraceptivos tem, aliás, a mesma motivação: se uma mulher tiver um filho por ano até se exaurir, supõe-se que ela não terá muito prazer em sua vida de casada; portanto, os métodos contraceptivos não devem ser incentivados.
A concepção de Pecado ligada à ética cristã é algo que causa quantidade extraordinária de prejuízo, já que dá às pessoas uma válvula de escape para seu sadismo, a qual elas acreditam ser legítima e até mesmo nobre. Tomemos, por exemplo, a questão da prevenção da sífilis. Sabe-se que, tomando-se precauções antecipadamente, o perigo de contrair essa doença pode se tornar desprezível. Os cristãos, no entanto, opõem-se à disseminação das informações a respeito desse fato, já que defendem a punição dos pecadores. Defendem tanto essa ideia que chegam até mesmo a desejar que a punição se estenda à mulher e aos filhos dos pecadores. Existem no mundo, no presente momento, muitos milhares de crianças sofrendo de sífilis congênita que nunca teriam nascido se não fosse pelo desejo cristão de punir os pecadores. Não consigo entender como doutrinas que nos levam a crueldades tão demoníacas podem ser consideradas como tendo qualquer efeito positivo sobre a moral.
A atitude dos cristãos é nociva ao bem-estar humano não apenas no que diz respeito ao comportamento sexual, mas também em relação às informações ligadas aos assuntos sexuais. Qualquer pessoa que já tenha se dado o trabalho de estudar a questão sem preconceito sabe que a ignorância artificial a respeito dos assuntos ligados ao sexo que os cristãos ortodoxos tentam incutir nos jovens é extremamente perigosa à saúde mental e física, incitando, naqueles que adquirem o seu conhecimento por meio de conversas “inapropriadas”, como acontece com a maior parte das crianças, a visão de que o sexo em si é indecente e ridículo. Não penso que possa existir qualquer defesa para a opinião de que o conhecimento é sempre indesejável. Eu não colocaria barreiras à aquisição de conhecimento por qualquer pessoa em qualquer idade. Mas, no caso específico das informações relativas ao sexo, existem muito mais argumentos de peso a seu favor do que no caso da maior parte dos outros assuntos. Uma pessoa está muito menos propensa a agir de maneira sábia quando é ignorante do que quando é instruída, e é ridículo transmitir aos jovens o sentimento de pecado pelo fato de manifestarem uma curiosidade natural em relação a questões importantes.
Todo menino se interessa por trens. Suponhamos que se diga a ele que tal interesse é demoníaco, suponhamos que se coloque uma venda em seus olhos cada vez que ele entre em uma estação de trem; suponhamos que nunca se permita que a palavra “trem” seja mencionada em sua presença e que se preserve um mistério impenetrável em relação à maneira como ele é transportado de um lugar a outro. O resultado não seria que ele parasse de se interessar por trens; ao contrário, ele se interessaria pelo assunto mais do que nunca, mas carregaria consigo a noção mórbida de pecado, porque esse interesse se lhe havia sido apresentado como algo impróprio. Todo menino de inteligência ativa poderia, desse modo, transformar-se em um neurastênico de maior ou menor grau. E é isso precisamente que se faz em relação ao sexo; mas, como o sexo é mais interessante do que os trens, os resultados são piores. Quase todo adulto, em uma comunidade cristã, apresenta doença nervosa em grau mais ou menos acentuado, como resultado do tabu relativo ao conhecimento sexual a que foi submetido quando era criança. E a noção de pecado que assim é implantada artificialmente é uma das causas da crueldade, timidez e estupidez que aparecem posteriormente na vida. Não existe embasamento racional algum para manter uma criança ignorante a respeito de qualquer coisa que ela deseje saber, seja sobre sexo ou qualquer outro assunto. E nunca teremos uma população sã até que esse fato seja reconhecido na educação infantil, o que é impossível enquanto as igrejas tiverem a capacidade de controlar as políticas educativas.
Deixando essas objeções comparativamente detalhadas de lado, fica claro que as doutrinas fundamentais do cristianismo exigem uma grande dose de perversão ética antes que possam ser aceitas. O mundo, tal como nos dizem, foi criado por um Deus que é tanto bom quanto onipotente. Antes de criar o mundo, Ele previu toda a dor e tristeza que este encerraria. Ele é, portanto, responsável por tudo isso. É inútil argumentar que a dor existente no mundo se deve ao pecado. Em primeiro lugar, isso não é verdade; não é o pecado que faz rios transbordarem os limites de suas margens ou os vulcões entrarem em erupção. Mas, mesmo que fosse verdade, isso não faria a menor diferença. Se eu fosse gerar uma criança sabendo que ela se transformaria em um maníaco homicida, eu deveria ser responsabilizado por seus crimes. Se Deus conhecia de antemão os pecados de que a humanidade seria culpada, Ele foi então claramente responsável por todas as consequências desses pecados quando decidiu criar o homem. O argumento cristão mais comum é de que o sofrimento no mundo é uma purificação do pecado e, portanto, algo bom. Esse argumento é, obviamente, apenas uma racionalização do sadismo; mas, de todo modo, é um argumento muito pobre. Eu convidaria qualquer cristão para me acompanhar até a ala infantil de um hospital, a fim de observar o sofrimento que ali é vivido, e então insistir na afirmação de que aquelas crianças estão de tal forma perdidas moralmente que merecem o que sofrem. Para que possa dizer algo assim, qualquer pessoa tem de destruir em si todos os sentimentos de misericórdia e compaixão que possa ter. Deve, em resumo, tornar-se tão cruel quanto o Deus em que acredita. Uma pessoa que acredite que tudo neste mundo cheio de sofrimento possui conotação positiva não tem como manter seus valores éticos intactos, já que sempre precisa encontrar desculpas para a dor e a tristeza.
Bertrand Russell, in Por que não sou cristão

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