terça-feira, 5 de junho de 2018

A diferença entre querer muito e querer somente

Chegou cansado, mais pelo que ainda tinha de fazer do que pelo tanto que já tinha feito, com o peso da responsabilidade pesando em cima de sua cabeça, e o medo e a certeza travando um duelo lá dentro. O corpo de Antônio agora andava inclinado pra frente, puxado pela palavra obrigação, no plural, pois eram muitas as que ele tinha. A pior de todas era a obrigação de dar tudo certo, essa era a mãe das outras e também a cria delas.
Se fosse pessoa organizada, teria ido logo pra casa começar seu trabalho, mas sua teimosia obrigou-o a passar antes na rua de baixo, só pra dar um beijo em Karina.
Nem bem dobrou a esquina e já viu logo que ela tinha estado todos esses dias no portão, esperando por ele, com os olhos apertados até menos que a metade, pra poder enxergar mais longe.
Fingiu que acreditou que ela só foi lá fora refrescar um pouco e fez que não reparou que seu coração estava batendo muito apressado.
E quem disse que ela queria deixar ele ir embora mais nunca?

A falta de Antônio tinha ensinado Karina a conhecer melhor a diferença entre querer muito e querer somente.
Ele só conseguiu ir pra casa com ela dormindo.
Por não saber ninar com cantiga, botou Karina pra dormir com um exagero de promessas, abraços e beijos, beijos, abraços e promessas, tudo isso aos berros, de primeiro.
Como é coisa do amor sossegar, os dois foram se acalmando aos poucos, perdendo a pressa, descolando os pedaços um do outro, por partes.
Quando só restava uma mecha de cabelos dele na mão dela, Antônio conseguiu escapulir e saiu, devagar, fingindo que não estava saindo.
Chegou em casa com o dia amanhecendo.
Antes de dormir rezou um Santo Anjo do Senhor e ainda conversou um pouco com seu amigo tempo, mas foi só pra acertar os detalhes da viagem.
Adriana Falcão, in A máquina

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